A pandemia ainda não acabou, e seu saldo negativo é imenso, com mais de 658 mil mortes. Mas alguns avanços e lições poderão deixar o país mais preparado para futuras crises sanitárias. Em 26 de fevereiro de 2020, quando o primeiro caso de Covid-19 foi registrado no país, poucos apostavam que o problema seria tão longo e tão grave. Dois anos depois, oficialmente a doença devastou as famílias brasileiras, trouxe impactos econômicos e transtornos que jamais poderão ser esquecidos.

A partir desta semana, a Equipe Positiva, inicia uma série de entrevistas para fazer um balanço destes dois anos de pandemia no Brasil, em Minas Gerais, na região do Sul de Minas e em Três Pontas.

Nesta nossa primeira entrevista da série, o tema é abordado com o professor de epidemiologia da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Sinézio Inácio da Silva Júnior. Sinézio se tornou um profissional de epidemiologia, dos mais requisitados quando o assunto é a pandemia. Abriu sua agenda de aulas, para atender a grande demanda de entrevistas para a imprensa. Veículos de comunicação passaram a tê-lo como fonte e referência. Eles respondeu a perguntas do jornalista Denis Pereira “A Voz da Notícia”.

O que mudou com a pandemia?

A pandemia tem sido a maior emergência sanitária dos últimos 100 anos. Assim, podemos dizer que praticamente ninguém havia experimentado algo que só se via em filmes e apenas alguns especialistas previam. Isso deve nos ensinar que somos mais vulneráveis que imaginávamos e que desastres sanitários como esse não são mais coisa de filme de ficção.

Também vimos que é preciso implementar urgente, o que há muito tempo se sabia ser muito importante, que são sistemas de vigilância. Vigilância viral internacional e integrada, a partir da vigilância genômica, da detecção de casos e da qualificação de profissionais para fazer isso. É preciso intensificar o rastreamento de vírus causadores de doenças não só nas pessoas, mas nos diversos animais na natureza que são e podem ser os hospedeiros, os potenciais transmissores para os humanos. Além disso, é preciso rever e monitorar as criações intensivas de animais, especialmente de aves e porcos, que facilitam o contágio desses animais, especialmente de humanos para eles, e depois pode haver o retorno de vírus modificados e mais perigosos para nós humanos, como o da gripe suína e gripe aviária, por exemplo.

Também tivemos exemplo de que temos que intensificar os cuidados no contato com animais silvestres, como os morcegos, por exemplo, que são os maiores hospedeiros de Coronavírus que existem. Não podemos continuar com as agressões ambientais e invasões humanas de territórios naturais que se forem desequilibrados podem facilitar o espalhamento de doenças contagiosas entre nós. Na verdade, essas não são exatamente mudanças, mas necessidades de mudanças. Vamos torcer e trabalhar para isso.

Qual a importância da epidemiologia desde o início da pandemia da Covid-19?

A epidemiologia nunca foi tão necessária e requisitada, por ser exatamente a ciência que estuda as epidemias. Mas não só isso, o que poucos sabem é que a epidemiologia está baseada em três pilares: a biologia, a estatística e a ciência social. Porém, a contribuição dela no início da pandemia foi pouco valorizada, porque ela é uma ciência da prevenção e nós temos uma mentalidade só centrada na doença. Quer dizer, a gente toma alguma medida só quando a doença se instala. Daí que no começo se tinha até dificuldade de pronunciar a palavra epidemiologia e epidemiologista. E frequentemente eram chamados os médicos infectologistas e pneumologistas para falar da epidemia, profissionais de valor é claro, mas que são treinados para cuidar dos doentes, não exatamente para estudar e controlar as epidemias. Faz parte de uma mentalidade de reagir só quando a doença está instalada. É como se a gente começasse a jogar de verdade só quando começamos a perder de um a zero e isso não é o mais inteligente para ganhar um jogo.

Mas, depois começou a ser dada visibilidade para a epidemiologia e seus profissionais serem requisitados. Porém, especialmente no começo, por exemplo, foi dada muita ênfase para o tratamento hospitalar e a disponibilidade de leitos. Claro que é importante e temos que estar preparados para isso. Mas, diferente do que a epidemiologia ensina, ao invés de priorizar evitar novos casos, se criou uma mentalidade de que existindo leito estava mais ou menos tudo bem para relaxar em medidas preventivas. Isso é um grave erro, essa mentalidade que acha que saúde é só ter hospital acaba ajudando a doença. Para controlar e conter qualquer epidemia é fundamental identificar os casos, os seus contatos, testar todos esses e isolá-los. Se isso é feito rapidamente nem são precisos os tais “lockdowns”, mas se a gente acha que hospital é o mais importante, nunca vai ter leito suficiente numa pandemia como a atual.

A importância da epidemiologia, desde o início da pandemia e sempre, é ser o que chamamos de “serviço de inteligência da saúde”. Ela produz dados, analisa e dá informações para que a saúde pública possa agir. Aliás, outro profissional que também cresceu em importância, mas apareceu pouco, foi o sanitarista. Enfim, a epidemiologia foi criada para estudar por quê, quantas vezes e onde acontecem as doenças, mesmo sem epidemias. E quando a frequência da doença é acima do esperado e em muitos lugares, aí se diz que surgiu uma epidemia, e se for em todos os continentes é uma pandemia.

O que esperar daqui para frente?

Não é fácil dizer. As pessoas esquecem fáceis as coisas. E o Brasil, além das mortes e sofrimento pela Covid tem muitas desgraças. Temos muita violência, tragédias geradas por razões climáticas e outras mazelas que ajudam a obscurecer o impacto da pandemia. Assim, não podemos nos iludir que as pessoas vão criar uma consciência superior a respeito do problema e mudar muito o comportamento. Isso depende muito da ação dos governos, que se pegarmos do exemplo do governo federal, tem sido muito falha.

E mesmo agora, com essa ideia de ir “decretando” que a pandemia acabou, que está tudo bem e podemos relaxar na prevenção, isso já demonstra que políticos de diferentes linhas ideológicas já estão refletindo que o bom é deixar para lá, esquecer. Daí o papel fundamental da imprensa que, de modo geral, tem atuado como a principal aliada da saúde pública. Não fosse a imprensa, o trabalho que vocês fazem, a situação estaria bem pior. E em termos de novas epidemias, infelizmente, daqui para frente, podemos esperar novas emergências.

A vida humana se transformou?

Também difícil dizer ou dar uma resposta mais positiva e otimista. De modo realista, e observando o que já aconteceu na história em situações semelhantes, em sentido amplo a vida continuará a mesma. Mas deveríamos ter fortemente a noção de que a vida humana é muito frágil. Com toda nossa tecnologia e ciência, ainda temos que ter claro que temos que cuidar uns dos outros. Por muito pouco nó perdemos vidas, uma doença como a Covid que vem pelo ar, contra a qual a gente pode usar máscara e se vacinar, mas ainda assim morremos muito dela. Isso mostra que a gente aprende pouco.

A gente tende a não trocar um prazer imediato por um benefício futuro. Talvez também as pessoas usem a crença religiosa de que existe vida após a morte para achar que “vão dessa para melhor”. Mas, esquecem que o melhor da religião é o ensinamento de amar ao próximo, e isso deveria fazer sermos cuidadosos em cultivar e proteger a vida, maior presente de Deus, a nossa e a dos outros, principalmente os mais frágeis: as crianças, os doentes e os idosos.

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