Promotora critica a repercussão das mídias sociais e diz que é um dever constitucional e ético participarmos da vida política de forma responsável

ENTREVISTA
Dra. Ana Gabriela Brito Melo Rocha
Titular da 3ª Promotoria de Justiça de Três Pontas
Promotora Eleitoral e especialista em Direito Eleitoral

Fonte: Jornal Correio Trespontano

Promotora, chegamos a uma eleição considerada complexa. Qual sua análise para o pleito deste domingo?

Os ânimos estão muito exaltados e não está havendo o necessário espaço para o diálogo. Além disso, não se pode desconsiderar a repercussão das mídias sociais e de aplicativos como WhatsApp no processo eleitoral. Os cidadãos acreditam estarem informados e apresentam certezas inabaláveis, mas desconhecem que suas convicções não foram tão livremente formadas e que a realidade pode ser bem diferente daquela na qual acreditam… Vivemos acelerada por esses novos espaços, a chamada era da pós-verdade. A universidade de Oxford definiu o termo pós-verdade como um substantivo que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência para moldar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais. O boato de que o Papa Francisco apoiou o então candidato à presidência dos Estados Unidos, Trump, teve mais valor do que a negação da informação por fontes oficiais. E isso tem acontecido agora sobre a segurança e a confiabilidade da urna eletrônica. Tem-se as fakenews, as notícias falsas e sensacionalistas que são compartilhadas sem que sejam analisadas criticamente, com checagem de data e fonte. Há uma indústria de fakenews no Brasil e ela está a todo vapor nesta última semana. As pessoas acreditam estar bem informadas apenas pela leitura de memes e frequentemente não têm o cuidado de ler a matéria, contentando-se com o título. Para piorar, as pessoas desconhecem as bolhas criadas pelo Facebook, que tem um algorítimo que regula a alimentação de conteúdo para os perfis de acordo com as preferências e o comportamento de cada usuário. Isso deixa as pessoas empobrecidas intelectualmente e resistentes a quem pensa diferente, à pluralidade. Daí quem pensa diferente passa ser excluído, bloqueado, rotulado de burro ou alienado. Tudo fica muito raso. Os candidatos e candidatas precisam passar muito tempo desconstruindo inverdades e grandes questões nacionais não estão sendo tratadas como deveriam. Por exemplo, vivemos uma crise hídrica e graves problemas ambientais. Assim, debater profundamente o desenvolvimento sustentável é algo ligado à sobrevivência mas não tenho visto isso ocorrer. Temo que seja um pleito decidido pela desinformação, pelo medo e pelo ódio. Perde a democracia. 

Uma questão importante, que está gerando dúvidas neste período pré-eleitoral: se o eleitor deixar de votar para determinado cargo, ele perde os demais votos que assinalou?

Outra notícia falsa, já desmentida pela Justiça Eleitoral. Não existe a figura do voto parcial. O eleitor pode votar em um candidato, em branco ou nulo para o cargo que quiser. Não há restrição para isso.

Como está sendo esta relação de campanha eleitoral e facebook. Está funcionando dentro do esperado?

As redes sociais são o novo espaço público. A princípio achávamos que esse espaço público necessariamente seria democrático porque, longe da grande mídia, permite a todos a oportunidade de fala. O problema é que democracia demanda também a escuta e esta é artigo em falta nas redes sociais. Somos um mundo de pessoas fazendo monólogos ou conversando apenas com aqueles que pensam exatamente como nós. Não estamos sabendo lidar com as diferenças e são elas que podem ampliar a nossa visão de mundo. A legislação eleitoral trouxe algumas regulamentações para a propaganda na internet e, especificamente, para as redes sociais, o que inclui o Facebook. A questão é que candidatos, cabos eleitorais e eleitores, temos dificuldade de nos comportarmos de forma republicana, de aplicar a ética no nosso dia a dia. Assim, por exemplo, partidos e candidatos se aproveitam do dispositivo que autoriza a manifestação espontânea de pessoas naturais em matéria político-eleitoral na internet sem que essa caracterize propaganda eleitoral e contratam empresas de marketing que criam perfis apenas para fazer inúmeras postagens favoráveis a um candidato ou desfavoráveis a outros. Quem nunca ouviu falar dos robôs? Como os tempos são de culto cego à imagem, de supervalorização de curtidas, volume e quantidade, essas práticas desonestas acabam conquistando o eleitor desavisado. É impossível que o Estado ou mesmo os adversários controlem essa prática. Só uma educação voltada para cidadania e a vivência plena desta podem mudar o quadro.

Neste período de reta final de campanha, alguns eleitores chegam a questionar os institutos de pesquisa, a cobertura jornalística da mídia e até mesmo a lisura da votação. O que a Promotora tem a dizer a respeito?

A crítica é fundamental em qualquer regime que se pretenda democrático. O problema é quando essa crítica se fundamenta apenas em achismos ou fakenews, como o que estamos assistindo em relação à segurança da votação por meio das urnas eletrônicas…As pesquisas têm uma força estática (de mostrar a intenção dos eleitores no momento da colheita dos dados) e dinâmica (de influenciar eleitores a, a partir do conhecimento do resultado, mudar a intenção de voto). Por isso o cuidado que a Justiça Eleitoral precisa ter para permitir a divulgação de uma pesquisa, que deve ser registrada com uma série de dados: quem contratou, em qual período foi realizada, a margem de erro, a metodologia, o plano amostral… É claro que uma pesquisa realizada apenas com a população de uma determinada faixa de renda ou com pessoas de determinado gênero nada diz sobre a parte da população não consultada. Essa questão da mídia também é algo delicado. Uma democracia não caminha bem sem uma regulamentação mínima e eficiente da grande mídia. Regulamentação não no sentido de censura, claro, mas no sentido de se eliminar, ou pelo menos reduzir, a possibilidade de que os meios de comunicação sejam dominados apenas por determinados grupos ou pessoas. As concessões de rádio e televisão frequentemente são colocadas nas mãos de parlamentares ou de familiares destes. Fica difícil ter acesso a informação desinteressada. Assuntos e fatos relevantes deixam de ser objeto de discussão por conveniência, como é o caso da questão relativa à colocação de limites para as renúncias fiscais. Agora, é preciso dizer que muitas das críticas são fruto de imaturidade para lidar com aquilo com o que não concordo. Vejo, por exemplo, gente que se identifica com as ideias defendidas pela esquerda chamar a Folha de São Paulo de “Falha de São Paulo”. Também vejo pessoas que se identificam com as pautas da direita chamar o mesmo jornal de “Foice de São Paulo”. Longe de questionarem o fundamento das matérias, que muitas vezes sequer são lidas, essas críticas quase sempre aparecem quando alguém que estimam ou ideias que abraçam são criticadas. Repito: não há democracia sem pluralidade e sem diálogo.

A senhora é bastante atuante em seu trabalho, reuniu-se com os mesários, fez palestra em escolas. Qual a sua expectativa com relação a esta eleição, o eleitor sabe o que quer para o futuro do país?

Todo poder, segundo a nossa Constituição e em qualquer Estado que se pretende Democrático de Direito, emana do povo. Se o povo não souber o que quer para o futuro do Brasil, quem vai saber? Juízes? Líderes religiosos? Militares? Acho que ainda estamos despertando para o saudável exercício da democracia, que não se resume ao voto. Foram anos de regime militar. A nossa Constituição completou apenas 30 anos no último dia 5 de outubro. Conversar com mesários e estudantes é política, isto é, de alguma forma, intervir no destino das nossas relações comunitárias, da nossa sociedade, do nosso Estado. Infelizmente, em razão da falta de compromisso de muitos com o interesse público, as pessoas têm confundido a política, que é fundamental e tem sido satanizada, com a politicagem. Politicagem é degeneração. Acho que basta ampliarmos o nosso olhar e não esquecermos dos valores previstos na Constituição, que é o que deve nos mover. O que é corrupção? Corrupção não se limita a desvio de dinheiro público. O particular que suborna pratica corrupção. O candidato que usa a máquina pública para se eleger ou que abusa da sua condição econômica dando benesses ao eleitor pratica corrupção. O cabo eleitoral que despeja aquele mundo de santinhos na porta do local de votação ou faz outro tipo de boca de urna pratica corrupção. Usar uma emissora de rádio ou de TV para fazer campanha e desequilibrar o pleito é corrupção. Usar templos religiosos para fazer propaganda para um candidato ou candidata é corrupção, já que isso é proibido pela legislação eleitoral. Coagir empregados ou servidores públicos a votarem em determinado candidato ou determinada candidata é corrupção. Se o candidato já revela, antes mesmo da eleição, que é corrupto, não merece o voto do eleitor. O controle sobre a corrupção é, primeiramente, direito e dever do povo.

E com relação a uma reforma política tão necessária. A senhora também acha que deveria haver mandato de 5 anos sem direito à reeleição?

A reeleição é uma aberração colocada por emenda constitucional no nosso sistema jurídico em 1997. A reeleição acaba por ensejar o uso da máquina pública por aquele que pretende retornar.

 A senhora concorda que a eleição para quem já ocupa o cargo é mais fácil?

Acho que é necessário dividir duas situações. Para os candidatos aos cargos do Poder Executivo é mais fácil até mesmo pela exposição natural do governante e pelo controle de volumosos recursos públicos. Em relação aos candidatos do Poder Legislativo, contudo, ressalvados os candidatos que têm condições de obter emendas parlamentares para suas bases e que hoje são utilizadas como verdadeiras moedas de troca, o ritmo é diferente. Foi feita uma pesquisa recentemente que demonstrou que o número de parlamentares reeleitos no Congresso Nacional é bem menor do que a nossa impressão. Mas é necessário problematizar a pergunta. O que é entrar na política? Será que um líder comunitário que luta contra o fechamento de escolas rurais ou pela melhoria das condições do seu bairro não faz política? Um aluno líder estudantil não faz política? Volto na questão de que política não se resume à ação de candidatos eleitos.

Acompanhando os noticiários, a gente vê que a política no país funciona muito na base de troca de favores. A senhora acredita que dá pra mudar este quadro de corrupção no Brasil?

A politicagem, e não a política, funciona na base da troca de favores. Para mudar o quadro de corrupção do Brasil precisamos fazer uma modificação cultural. De que adianta seguir uma campanha que muito circulou em redes sociais e correntes de WhatsApp chamada “Não reeleja ninguém”, se os novos eleitos sairão também da sociedade e se essa não combate efetivamente a corrupção? A secretária do posto de saúde que passa um conhecido na frente de outros usuários do serviço pratica corrupção. O estudante que entra em uma balada com carteira de estudante adulterada pratica corrupção. O conhecido de um guarda de trânsito que pede para não ser multado pratica corrupção. Um cidadão que estaciona o carro em uma vaga reservada para idoso ou deficiente pratica corrupção. Um comerciante que sonega impostos pratica corrupção. As desculpas são “todo mundo faz”, “é coisa pequena”, “é rapidinho”, “ninguém está vendo”… Não é coisa pequena. Primeiro porque o abandono da ética é sempre muito grave. Diz muito sobre a facilidade que tenho de colocar o meu interesse, privado, sobre o interesse público. Segundo porque isso tudo se incorpora ao nosso patrimônio cultural e acaba se tornando natural. Nossas crianças e adolescentes acabam crescendo com esse padrão e perdemos a capacidade de nos indignar.

O que a senhora diria ao eleitor que está desiludido com a política no Brasil e pretende anular seu voto?

Como dizer que a política não nos afeta se precisamos de segurança pública, saúde, educação, regulamentação do trânsito e tantos outros? Eu diria para esse eleitor algo bem próximo da genial propaganda feita pela rede de fastfoodBurguer King (risos). Para ser menos informal (risos), vou de Platão. Platão, filósofo grego que viveu em uma época em que as instituições de Atenas estavam sem credibilidade, a economia falida e os valores sociais sem força, acreditava que o cidadão que se dedicava apenas à vida privada e não atuava na vida política era também responsável pelo ambiente decadente no qual estava. Somos todos responsáveis pelo que está aí. Não escolher um candidato ou candidata, por meio do voto nulo, do voto branco ou da abstenção, é também fazer uma escolha. A escolha de aceitar o eleito ou a eleita por terceiros. É um cheque em branco. Segundo Platão, “O preço que os homens de bem pagam pela indiferença aos assuntos políticos é serem governados pelos maus”. 

 A senhora acredita que a política ainda pode funcionar bem no Brasil, assim como em países mais desenvolvidos, que não aceitam corrupção?

Claro. Eu acredito em mudanças culturais e no ser humano. Instituições nada mais são que pessoas. Mudemos as lentes e as mentes das pessoas! Isso não é um trabalho apenas do Poder Judiciário, do Ministério Público, de Presidente A ou Governador C. Não existe salvador da pátria.É difícil ouvir isso porque sempre queremos a solução mais fácil, que é acreditar na figura de um herói ou salvador. É mais simples achar que elegendo o candidato X ou Y todo o problema da corrupção vai acabar… O que temos são diversas pessoas e são essas que, cotidianamente, na escola, na igreja, em uma associação, na vizinhança, em suas relações, constroem uma cultura. A cultura é feita pelo homem, pela mulher – e não o contrário. 

Esclarecimentos finais.

Mais do que um direito, é um dever constitucional e ético participarmos da vida política de forma responsável, observando as regras do jogo democrático e aceitando o resultado eleitoral – ainda que o resultado não seja aquele que desejávamos. Em tempos de dúvidas e polarizações, penso que a nossa Constituição, que já trouxe tantos avanços, pode nos unir. Todos somos brasileiros e devemos respeito à Lei Maior do nosso país. Isso é verdadeiramente amar a pátria e os brasileiros. Encerro sugerindo que os objetivos fundamentais da nossa República, previstos no art. 3º da nossa Constituição, sejam utilizados como norte para a escolha de candidatos e candidatas. São eles: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.