*Só em 2017, a Polícia Militar atendeu em Três Pontas 522 ocorrências. Número tem aumentado a cada, diante da consciência das mulheres que precisam denunciar

REPORTAGEM ESPECIAL – No dia 08 de março, é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Elas vem conquistando seu espaço, deixando de ser apenas responsáveis pelas tarefas diárias de uma casa ou arrimo de família, mas ganhando destaque em empresas, instituições, cargos e na política. Há muito ainda o que ser feito para de fato haver motivos para comemorar este dia, entre as necessidades está o enfrentamento à violência.

Uma pesquisa realizada em 27 países indica que o assédio e a violência são percebidos como os maiores problemas enfrentados pela população feminina. Realizado pelo Instituto Ipsos, o estudo ouviu cerca de 20 mil homens e mulheres de países de todos os continentes, incluindo o Brasil.

Aos pesquisadores, os entrevistados precisavam dar até três respostas para a seguinte pergunta: “Quais são os problemas mais importantes enfrentados por mulheres e garotas no seu país?”. Do total, 32% responderam assédio sexual, seguido de violência sexual (28%), violência física (21%), abuso doméstico (20%) e disparidade salarial (19%).

No âmbito brasileiro, as respostas são semelhantes, mas a violência sexual é a principal apontada (47%), seguida de assédio sexual (38%), violência física (28%), abuso doméstico (19%) e sexualização da mulher na mídia (18%). 

Casos de agressão a mulheres são tratados com prioridade pela PM

Quando a Polícia Militar em Três Pontas recebe um chamado de que uma mulher está sendo agredida pelo companheiro, marido ou namorado, a ocorrência é tratada com prioridade. Os crimes cometidos contrários a Lei Maria da Penha, há um apelo social e é uma situação complexa. De acordo com o sub Comandante da 151ª Companhia de PM de Três Pontas Tenente Maurício Feliciano Filho, quando a equipe de policiais militares chega, primeiro acalma os ânimos e verifica o que tenha provocado a situação. A vítima tem diversas reações, algumas no calor das discussões pedem a prisão do marido, outras tem medo. O acusado de agressão já se acalma e todos são conduzidos para a sede da Companhia de Polícia, para relatar os fatos no boletim de ocorrências.

A mulher tem que decidir se vai representar ou não contra o agressor. Se sim, aquilo gerará um processo que vai parar na justiça. Algumas vítimas no decorrer da ocorrência ficam com dó do autor da violência por vários motivos: porque é casada a muito tempo, tem medo de alguma represália dele, ou até mesmo por causa da sua dependência financeira.

Quando o caso já gerou uma medida protetiva concedida pela Justiça, a Polícia Militar é quem faz a fiscalização por determinação do Poder Judiciário. Segundo Tenente Feliciano, os militares realizam periodicamente visitas tranquilizadoras às vítimas, verifica se o autor que precisa ficar a uma determinada distância da vítima ou da residência está obedecendo, ou se tem causando algum tipo de transtorno. É feito um relatório e enviado ao Poder Judiciário.

De acordo com dados divulgados pela Companhia, em 2016 foram 485 que se enquadram na Lei Maria da Penha. Em 2017, o número de ocorrências registradas saltou para 522 e só nos três primeiros meses deste ano já são 81. O aumento se deve a consciência das vítimas em denunciarem.

Quando o acusado não obedece a determinação, a vítima liga no Quartel e as viaturas buscam atender com mais rapidez aquele chamado, para evitar que aquilo se transforme em um crime mais grave como homicídio ou crime passional. Muitas vezes o homem procura a ex esposa após fazer o uso de bebida alcoólica e ou de drogas e não quer aceitar a situação de ficar longe de onde vivia.

Dependência financeira é um dos empecilhos para mulher denunciar

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social conhecido pela sigla CREAS, tem entre suas várias atribuições, o atendimento aos mais variados casos de violência doméstica e conta com uma equipe multidisciplinar formada por Advogado, Psicólogo, Assistentes Sociais, Orientador Social e Coordenador.  A demanda é grande e o trabalho realizado diariamente é orientar, apoiar, encaminhar, mostrando as possibilidades e caminhos que essas vítimas da violência doméstica podem percorrer, porém, a decisão é exclusivamente da mulher que sofre nas mãos de maridos, companheiros ou namorados. Quando a mulher decide sair de casa e pedir medida de afastamento do agressor, isto deve acontecer voluntariamente, sem a existência de imposições.

Muitas acabam desistindo por uma série de motivos. Um deles é o medo de que o agressor fique sabendo que ela procurou ajuda, o caso se transforme em denúncia e tenha consequência ainda mais grave.

A equipe técnica explica que muitas mulheres chegam encaminhadas pela Delegacia de Polícia Civil e pelo Poder Judiciário. Outras por iniciativa delas e com apoio de familiares. Ainda há aquelas que são encaminhadas ao CREAS por outros setores municipais. O atendimento é totalmente sigiloso e fica somente entre os profissionais que discutem caso a caso.

Há mulheres que se sentem incomodadas com a situação, mas pela sociedade ainda machista, encontram críticas onde deveriam encontrar ajuda e pensam que a violência é apenas física, mas existe a violência psicológica, moral e financeira. A violência verbal é muito recorrente e se torna comum. As mulheres se sentem humilhadas, e só quando chegam para serem atendidas é que tem uma visão ampla do que estão vivendo há tanto tempo e conseguem assim, visualizar um futuro pela frente.

Algumas vítimas se acostumam com situações abusivas,começam com palavras ofensivas, piadas sobrea companheira e seus familiares, evoluem para empurrões, até chegar às agressões físicas. Muitos maridos, companheiros e namorados proíbem a mulher de conversar e conviver com outras pessoas e ter uma vida social.

Para oficializar o caso na justiça é preciso registrar um boletim de ocorrência na polícia. Algumas vezes é preciso pedir a medida cautelar de afastamento do agressor. Outra dificuldade é a dependência financeira. A vítima se preocupa em como ela vai sobreviver, quem vai pagar suas despesas básicas como aluguel, água, luz e outras. E quanto mais idade tem a pessoa, torna-se mais complexo, porque há casos em que o homem não a deixou trabalhar, ela não tem nenhuma experiência profissional para ingressar no mercado de trabalho e sente medo do seu futuro. Existem relatos em que a mulher trabalha o mês inteiro para ajudar nas despesas de casa, mas é impedida de comprar até mesmo produtos de higiene pessoal tendo que entregar todo o dinheiro para o marido, isto é a violência financeira.

Quando a vítima está muito abalada emocionalmente, os profissionais do CREAS realizam diversos encaminhamentos aos outros serviços. À saúde, por exemplo, ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e médicos especializados para algum tratamento específico, entre outros. Por estar fragilizada, é difícil a mulher visualizar outras possibilidades na vida a não ser continuar convivendo sendo vítima da violência. Neste caso, são feitas diversas orientações e encaminhamentos aos serviços da rede sócio assistencial, como a Casa da Família (CRAS), para realização de alguma atividade. As vítimas precisam mudar de rotina, sair do tempo ocioso.

Há também a dependência afetiva. Ao contrário do que as pessoas pensam, o agressor não é mau o tempo todo, e muitas das vezes costuma ser carinhoso. É preciso deixar bem claro que pequenas demonstrações de carinho no dia a dia não são suficientes frente ao que elas sofrem no relacionamento.

Quando as mulheres vítimas de violência doméstica decidem se separar de vez, elas contam com o apoio do Assessor Jurídico do CREAS para tomar as devidas providências com intuito de orientação em relação à separação e afastamento do agressor do lar. Os atendimentos são feitos individualmente e há também um trabalho em grupo que favorece a troca de experiências.

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social funciona de segunda a sexta-feira das 08:00 às 17:00 horas e fica na Avenida Barão da Boa Esperança 1269, no bairro Catumbi, ao lado do CEMACA, na antiga Artes e Ofícios. 

Os caminhos para ter e solicitar medidas protetivas contra agressor

As medidas protetivas são previstas na Lei Maria da Penha e são de natureza cautelar. Elas visam socorrer a mulher vitima de violência doméstica ou familiar no momento de urgência.

Elas são adotadas a partir de uma rede de proteção que existe, englobando o Poder Público, as polícias Militar e Civil, Defensoria Pública, o Ministério Público e Poder Judiciário. Todos estão ligados numa rede.

De acordo com o defensor público Gustavo Trindade, a mulher que é vitima de violência doméstica, ela deve ligar imediatamente para a Polícia Militar e registrar em um boletim de ocorrência da violência sofrida. A Polícia já de imediato adota o procedimento de abertura de um inquérito, para verificar se houve crime ou não. Paralelamente, o delegado da Polícia Civil, já pode solicitar ao juiz, a adoção de algumas medidas protetivas de urgência que achar adequadas e necessárias para aquele determinado caso. Além disso, quando o caso é encaminhado ao Ministério Público, para o oferecimento da denúncia, o promotor de justiça, também verificando a urgência do caso, pode solicitar ao juiz estas mesmas medidas protetivas. Todas as medidas cautelares são cíveis e criminais.

No caso das cíveis a mulher que é vítima pode pedir autorização, se não quer retirar o homem da casa onde eles moram, podem solicitar o seu afastamento, que esta saída seja acompanhada dos filhos, em uma situação de guarda provisória. Pode pedirem caráter cautelar, a fixação de alimentos. A mulher tem uma relação econômica com o homem, por exemplo, entregou a ele uma procuração e temendo que ele comece a usar mal a procuração pode pedir a suspensão cautelar do documento.

As criminais estão relacionadas a evitar que uma situação de crime contra a mulher ocorra. Elas começam pelo afastamento do agressor do lar. Proibição do agressor de manter contato telefônico, inclusive com os familiares da vítima. Muitas vezes, o acusado utiliza os familiares como caminho para fazer ameaças ou até causar pânico. O juiz pode até em hipótese extrema, decretar a prisão do agressor, considerando uma reincidência.

A mulher também pode procurar a Defensoria Pública e solicitar de maneira autônoma estas medidas, ou então de maneira cautelar, dentro de um processo cível, que ela vá adotar. “A mulher que quer entrar com o divórcio, mas tem medo do marido agressor, ela pode pedir o afastamento dele. A mulher já está afastada, mas ele está a amedrontando, ameaçando, ela também pode entrar com uma medida de proibição de contato. São vários agentes que podem agir para proteger a mulher, de fomentar estas medidas de proteção.

“Na verdade, a lei prevê um rol que é exemplificativo as medidas cautelares, mas o juiz dentro das circunstâncias, pode adotar medidas que ele considera mais adequadas para cada caso”, afirmou o defensor.

Em Três Pontas existe uma rede de proteção que atua relativamente bem. Há dois anos, havia em media de três a quatro ao mês de medidas protetivas. Como a rede é bem articulada e está bem coordenada, o volume atualmente é bem menor. A justificativa segundo Gustavo Trindade é que os agentes e os outros órgãos já atuam de forma antecipada, que solicitam as medidas. Eventualmente acontece de chegar na Defensoria Pública, vítimas que por falta de conhecimento técnico judicial, deixam de representar e procuram o órgão para seguir com as providências.

Descumprir medidas protetivas leva à prisão

O Senado aprovou nesta quarta-feira (07), projeto que torna crime o descumprimento das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. O texto estabelece pena de detenção de três meses a dois anos para quem desobedecer decisão judicial. A matéria segue para sanção presidencial, pois já havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados.

Esse tipo de medida é adotado para proteger mulheres vítimas de algum tipo de violência doméstica ou familiar. As medidas podem ser o afastamento do agressor do lar ou local de convivência, a fixação de limite mínimo de distância em relação à vítima e a suspensão ou restrição ao direito de o agressor portar armas.

Atualmente, a Lei Maria da Penha prevê que a autoridade policial poderá adotar as providências legais previstas em caso de descumprimento das medidas.

O projeto também prevê que o crime de descumprimento de medida protetiva estará configurado independentemente da competência civil ou criminal do juiz que estabeleceu a medida. Além disso, a conduta configurará crime, independentemente de outras sanções que possam ser aplicadas ao agressor.