MÉDICO CHEFE CLÍNICO DO PRONTO ATENDIMENTO MUNICIPAL (PAM), DR. LUCAS ERBST MARQUES REVELA QUE FOI PRECISO MUDAR TODA A ESTRUTURA PARA ATENDER DEMANDA DE ATENDIMENTO AOS PACIENTES COM COVID-19

Dr. Lucas, as pessoas estão demorando a procurar auxílio médico?

Lá no começo da pandemia, aproximadamente um ano, a orientação inicial era que as pessoas aguardassem alguma complicação para procurar o serviço de saúde. Hoje, com a evolução da doença, como nós aprendemos mais sobre ela, a orientação este ano é exatamente o contrário. Nós devemos procurar aos primeiros sintomas o atendimento médico. Aqui em Três Pontas, na tenda onde nós temos o acolhimento ou no seu médico particular para que nesse primeiro momento já sejam tomadas as condutas de orientação e acompanhamento, porque a evolução da doença com essas novas cepas virais elas mudaram muito. Então orientamos que nos primeiros sintomas, um mal-estar, uma coriza, febre, procurar o atendimento quanto mais rápido melhor.

Esses sintomas vão se agravando com o passar do tempo?

Sim. A doença hoje ela é dividida em três etapas: a primeira etapa que é a fase inicial de replicação viral. A segunda é a de conversão inflamatória. E a terceira de resolução, resolução boa ou resolução infelizmente não tão boa. O que nós temos tido muitas complicações hoje exatamente na segunda fase, que é a de mudança da doença, entre o oitavo e décimo dia onde a maioria dos pacientes anteriormente já estavam numa melhora. Hoje, com essas novas provavelmente cepas que estão circulando, esse padrão mudou muito. O paciente tem procurado ajuda mais tardiamente, por isso é importante o acompanhamento desde o início para que a gente detecte essas complicações o mais rápido possível e consiga em tempo hábil tentar corrigir.

Quer dizer que o perfil da doença mudou?

Nós temos notado nos últimos três ou quatro meses, uma mudança muito importante no perfil da doença. Nós tínhamos a maioria das complicações anteriores por volta do quarto, quinto dia, que era ainda na primeira fase. Agora, as complicações tem sido mais tardias e cada vez mais complexas e muito rápidas evoluções de pacientes.  Vem o atendimento, o paciente é avaliado, faz-se um raio-X ou avaliação clínica, completamente normal. Em três dias ele tem uma piora considerável, sendo necessário às vezes até internação ou até outro tipo de intervenção. Então, o perfil da doença mudou muito e infelizmente ela vem evoluindo. Em Varginha já foi detectado a cepa B1, circulando, nós não temos dados e estatísticas oficiais ainda mas como já está circulando em Varginha, existe uma grande chance também com a diferenciação clínica da doença existe a possibilidade dessa sepa já estar circulando aqui e isso mudou muito mesmo perfil da doença. Nós temos hoje uma grande quantidade de pacientes jovens entre 30 e 50 anos, com complicações, que em um primeiro momento eram considerados não grupo de risco. Hoje ele já tem um número de complicação para essa faixa etária e é muito maior do que nos primeiros meses ou a um ano atrás do começo da pandemia.

O que na prática representa essa no cepa?

A cepa é uma mutação que o vírus sofre. Em algum momento da replicação do vírus ele sofre uma mutação que pode deixar o vírus mais agressivo ou não. Enfim, da mesma forma em que ele era, o vírus que infectava roedores, ele sofreu uma mutação para infectar seres humanos. Enquanto ele estava só nos roedores ele não nos infectava. Ele sofreu mutação para nos infectar e aumentou muito a potência viral dele. Não é tão comum o vírus ter mutações tão rápidas. É um vírus muito diferente do que a gente está acostumado, a maioria tem o que a gente chama de tropismo. Exemplo, o influenza que é o vírus da gripe, ele tem tropismo pela parte pulmonar. A pessoa fica mais resfriada. O Covid ele também tem um tropismo pulmonar, mas ele é sistêmico, pode afetar outros órgãos também e é uma doença muito mais complexa do que se imaginava no começo.

A demanda aumentou tanto ao ponto de vocês terem que ampliar e mudar toda a estrutura de atendimento aos pacientes?

No Pronto Atendimento nós temos dois médicos atendendo e dois a noite. Durante este período, nós tivemos que reestruturarmos. Montamos uma tenda de atendimento exclusivo para Covid e porque para que as pessoas não fiquem circulando nos postos de saúde levando a doença para outros lugares. Optamos por fazer um único acolhimento. Este ponto de atendimento iniciou com um médico e uma estrutura relativamente pequena, mas já pronta para aumentar com passar dos dias. Houve período de maior incidência, de menor incidência. Fomos ajustando de acordo com as incidências. Atualmente nós estamos trabalhando hoje com 4 médicos atendendo durante o dia, dois exclusivamente para o Covid, dois para o Pronto Atendimento, sendo que, esse do Pronto Atendimento também ajuda no atendimento do Covid quando há uma demanda maior. Já temos o plano de expansão ainda maior, preparado para mais um ponto de atendimento médico. Quando falamos de atendimento médico, não é só médico, é toda uma estrutura, com técnico, enfermeiro, medicação, oxigênio, leito para o paciente ficar. Então a gente tá estruturando mais um ponto e se houver necessidade já temos um plano de estruturação um pouco maior. A demanda por atendimento realmente aumentou muito nestes últimos dias. Nós estamos atendendo uma média de 120 a 130 pacientes ao dia somente na tenda Covid. Isto sem contar o atendimento inteiro do Pronto Socorro que ainda atende uma média de 50 a 60 pessoas a cada plantão. Toda a nossa estrutura teve que ser remodelada. Lá na tenda, por exemplo, hoje nós temos pontos de medicação e de oxigênio. Os pacientes que estão menos graves que não precisam da possibilidade de internar, mas necessitam de medicação e de oxigênio por algum tempo para melhorar saturação, estamos conseguindo medicar na própria tenda. Aqueles que estão mais graves ou que precisam de um acolhimento, de um tratamento mais intensivo ou que vão internar, vem para dentro (do PAM). Nós também estruturamos a parte interna do PAM, para que pudéssemos isolar esses pacientes com suspeita e com Covid, em uma área específica daqui do Pronto Atendimento, para que não circulassem, diminuindo a possibilidade de infectar outras pessoas. Uma vez que volto a repetir que estamos atendendo 120, 150 pessoas com Covid-19, mas continuamos atendendo pacientes com infarto, AVC, com dores crônicas e com todas as outras patologias. Então, a nossa estrutura praticamente dobrou, senão um pouco mais que isso, para conseguíssemos acolher a todos. Temos uma rotina que dá para suprir o nosso município e a microrregião. Antes tínhamos dois pontos de oxigênio de emergência e mais quatro pontos oxigênio na nossa observação. Com toda mudança dada a pandemia, nós temos hoje 12 pontos de oxigênio e contamos com a Prefeitura para nos mandar cilindro de oxigênio, contamos com o Hospital para aumentar a demanda de oxigênio nossa. Tudo isto para ninguém chegue aqui e fique sem atendimento. Existe uma procura imensa de pacientes que necessitam de internação com oxigênio em grande quantidade. Temos feito toda essa remontagem estrutural e já estamos pensando em um plano b, c ou até d, caso haja aumento da demanda por causa das aglomerações provocadas no Dia das Mães. Lembrando que nas festas de fim de ano e de Natal, as pessoas saíram de casa e se aglomeravam em outros pontos. A maioria das pessoas que ficaram doentes foram jovens. Já no Dia das Mães a maioria foi para dentro de casa e existe uma possibilidade grande de você ter um aumento do número de idosos doentes, mesmo vacinados. Temos que trabalhar com essa possibilidade, e temos todos os dias de reuniões com o Hospital, com os diretores técnico e clínico e a Provedoria, a Secretaria Municipal de Saúde, montando esta estrutura diariamente. Então, agora por exemplo a gente acabou de mandar um paciente que foi aceito em Varginha e vamos aceitar dois aqui e vão vir três da tenda que estavam aguardando. Vamos nos mobilizando o tempo todo mantendo esse fluxo funcionando. É importante frisar para todas as pessoas, que o paciente que está aguardando vaga está sendo tratado, ele não está aqui só parado aguardando a vaga. O tratamento é iniciado a partir do momento que é julgado pelo médico que necessita de tratamento, e é o mesmo que ele receberia internado, inclusive na UTI. Ninguém aqui fica sem tratamento. Então, é um tratamento iniciado para depois quando ele internar dar continuidade e fazer a rotatividade do leito com segurança.

O resultado dessas aglomerações do Dia das Mães, podem ser pior do que às do fim de ano?

Hoje a gente nós temos um fator diferencial que é a vacina. Como a maioria dos idosos já foi vacinada, há uma chance menor, mas é importante as pessoas entenderem que a vacina não te deixe imune à doença. Você pode ter Covid mesmo já tendo sido vacinado. A vacina não deixa a doença agir de forma grave. Isto é um diferencial, mas na interiorização do vírus, numa combinação familiar, maioria com idosos, pode ter consequências catastróficas.

É bom então esclarecer que a pandemia ainda é grave, não é doutor?

É muito importante que as pessoas mantenham o distanciamento social, que é o mais importante. Todos nós vamos precisar em algum momento ir no supermercado, ao banco, na padaria, fazer alguma coisa fora, mas temos que continuar com os mesmos cuidados. O que a gente tem que ter muito cuidado é com aglomeração. Você pode reunir pessoas da sua família, do seu núcleo familiar, que mora na mesma casa que você. Tios, primos, e avós, entre outros, apesar de ser da mesma família, eles tem outros trabalhos, tem outros contatos. Quando vocês se juntam, a probabilidade de ter alguém infectado ali que não esteja assintomática e passar para toda a família é grande. Então, é importantíssimo ter esse cuidado, manter o distanciamento social, lavar as mãos constantemente, usar o álcool gel, manter o uso da máscara sempre. A gente ainda está conseguindo suprir a necessidade de atendimento e internações, mas se essas aglomerações continuarem, se as pessoas não se conscientizarem, vai chegar o momento em que vai ser humanamente e, fisicamente em questão de instrumental de pontos de oxigênio, de medicações, de profissionais, impossível. A gente pode chegar no ponto de colapso e é isso que a gente não quer. Temos que ter em mente que nesses últimos dois meses, estamos passando a pior fase que nós vivemos desde o começo da pandemia. Até o momento nós temos conseguido estabilizar, ainda não chegamos ao ponto de ninguém chegar aqui e não ser atendido. Estamos lutando diariamente para que isso não aconteça, mas precisamos muito que a população em geral nos ajude nisso. Evitem essas aglomerações, evite o que não for necessário, deixe para depois, dê um abraço na mãe de forma  virtual, evitar levar crianças e idosos ao supermercado, vá somente uma pessoa.. Quando chegar em casa, tire a roupa, faça uma  higienização. São cuidados que nós vamos ter que levar por muito tempo, porque muita gente está pensando que a vacina vai resolver o problema. Nós vamos ter que conviver com o Covid por muito tempo ainda. A vacina vai nos ajudar a facilitar um pouco essa retomada da vida, do que a gente anteriormente chamava de normal, mas até lá, até chegar esta vida normal ou talvez ela nunca mais volte ao normal, ainda temos uma caminhada muito longa. Nós não sabemos o tempo de duração da vacina ainda. Depois que vacinar todo mundo, daqui seis meses ou um ano vão ter que vacinar novamente e a gente não sabe se a vacina que nós tomamos será útil para outra cepa. Então, só estudo e o tempo vão dizer. Não é nenhuma solução milagrosa dos problemas. Temos pacientes muito jovens se complicando rapidamente, mesmo recebendo todo o tratamento preconizado à Covid-19, porque é um vírus muito agressivo.

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