Sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB) em 13 de julho e alvo de polêmicas desde a sua tramitação no Congresso Nacional, a reforma trabalhista entrou em vigor no sábado, dia 11 de novembro. A nova legislação altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outros dispositivos que regem as relações entre empregadores e empregados no país. Entre as mudanças, a mais importante é a prevalência do negociado sobre o legislado: acordos firmados entre patrões e funcionários terão mais força do que a lei.

A partir de agora, empresas e colaboradores já possuem amparo legal para firmar convenções coletivas modificando aspectos trabalhistas que envolvem direitos constitucionais, como férias, horas extras, jornada de trabalho, entre outros. Esses acordos prevalecerão sobre a legislação vigente. Além de implantar e regulamentar novas modalidades de trabalho, como o home office (trabalho remoto) e o trabalho intermitente (por período trabalhado). Regras previstas pela  Constituição Federal, por outro lado, como salário mínimo, 13º salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), continuam garantidas e não podem ser objeto de negociação.

O projeto engloba ainda mudanças nos processos trabalhistas e no papel dos sindicatos, tornando mais rigoroso o questionamento de direitos trabalhistas na Justiça e retirando a obrigatoriedade de pagar a contribuição sindical.

A nova lei não altera, no entanto, questões relacionadas ao salário mínimo, 13º salário, seguro-desemprego, valores de depósitos e da indenização rescisória do FGTS, benefícios previdenciários, número de dias de férias devidos aos funcionários, repouso semanal remunerado, licença maternidade e paternidade e normas relativas à segurança e saúde do trabalhador.

Alguns pontos da nova lei poderão ser colocados em prática imediatamente. Um deles é que o período que o empregado gasta no trajeto de casa até o trabalho em transporte oferecido pela empresa, que não será mais computado na jornada.

Outras mudanças previstas precisarão ser negociadas entre trabalhadores e empresas, seja individualmente ou por meio dos sindicatos, como férias e banco de horas.

A nova legislação não vale para contratos que não são regidos pela CLT e têm contratação à parte que, segundo o Ministério do Trabalho, são específicos e cerca de 1% do total, como os servidores públicos e autônomos.

ENTREVISTA

ESPECIALISTA DIZ QUE MESMO COM NOVA REFORMA, NOVOS AJUSTES DEVEM SER FEITOS 

O advogado Dr. Juliano Vitor de Brito (foto), especialista em Direito do Trabalho e Direito Civil e pós graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual, respondeu perguntas sobre a reforma da previdência.  

Como a Reforma Trabalhista vai mexer com a vida do trabalhador?

A Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017 (reforma trabalhista), que entrou em vigor em 11/11/2017, traz profundas alterações no texto da CLT. Algumas dessas alterações, mesmo antes da promulgação da nova Lei, já eram adotadas pelos Tribunais Trabalhistas do país ou mesmo pelo TST – Tribunal Superior do Trabalho. Outras, no entanto, foram incluídas no intuito de se buscar um maior equilíbrio nas relações de trabalho. Via de regra, toda legislação nova revela, em primeiro momento, mais dúvidas a respeito do assunto do que definições propriamente ditas. E, no caso da reforma, não é diferente. O trabalhador, assim como o empregador, por enquanto, estão na expectativa acerca das consequências da nova lei e o impacto dessas alterações somente será possível de ser avaliado com o passar do tempo.

Por que a Reforma Trabalhista demorou tanto para ser aprovada?

As regras trabalhistas, de um modo geral, já vinham sendo alteradas. Como exemplo, a categoria do empregado doméstico que, recentemente, através da Lei Complementar n.º 150, de 1.º de junho de 2015, passou a ter direito, dentre outros, ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS; horas extras; salário-família etc. No caso da reforma, as alterações são mais amplas e envolvem direitos e categorias variados. A discussão em torno desses direitos, por sua complexidade, exigiu do legislador uma análise mais criteriosa dos temas, mesmo porque, a legislação trabalhista no Brasil, surgida na década de 1940, nunca havia passado por uma reestruturação de grande impacto.

As mudanças que aconteceram são ideais para empregadores e empregados?

Um dos objetivos da reforma, a meu ver, é a tentativa de se equilibrar a relação de trabalho. No entanto, as alterações, ainda que fosse essa a intenção do legislador, não são consideradas ideais para empregados e empregadores. Tanto é verdade que a nova lei, embora tenha entrado em vigor no último dia 11, já sofreu a primeira modificação em seu texto original, através da Medida Provisória n.º 808, de 14 de novembro de 2017. E assim, outros pontos controvertidos da reforma poderão se tornar alvo de novos ajustes.

E as empregadas domésticas serão afetadas com alguma mudança na Reforma Trabalhista?

A lei que rege a categoria dos empregados domésticos (Lei Complementar n.º 150/2015) é regra especial. Nesta hipótese, os domésticos estarão sujeitos à legislação trabalhista, inclusive no que se refere às alterações introduzidas pela reforma, apenas nos eventuais aspectos não tratados pela lei própria, ou seja, pela Lei Complementar.

Alguns especialistas afirmam que a Reforma é um retrocesso nos direitos conquistados ao longo dos anos pelo trabalhador. Você concorda com esta análise?

Afirmar por retrocesso em razão da reforma trabalhista não me parece ser o termo mais adequado. As alterações na legislação devem ser avaliadas também sob o ponto de vista econômico. A intenção é reduzir os encargos de responsabilidade do empregador, decorrentes da relação de trabalho, para que empregos sejam mantidos e outros sejam gerados. Por outro lado, as alterações advindas da nova Lei não suprimiram direitos dos trabalhadores. O que houve foi uma tentativa de adequação das normas à realidade, sobretudo diante da necessidade de modernização da relação entre empregado e patrão, dos avanços tecnológicos e das mudanças sociais. Além disso, é preciso ressaltar que a Constituição Federal, como Lei Maior, também resguarda os direitos dos trabalhadores, consagrando, no artigo 7.º, o princípio constitucional do não retrocesso social.

A Reforma determina ainda mais que empregados e empregadores dialoguem, conversem mais e entre em um acordo?

Sobre este ponto, a nova lei permite que o negociado se sobreponha ao legislado naquelas matérias que expressamente discrimina. Estão previstas no novo texto de lei, nos artigos 611-A e 611-B, as matérias que poderão ou não ser transacionadas entre empregados e empregadores e a forma de fazê-lo.

Há alguma classe específica que fica prejudicada com a Reforma?

Entendo que não há uma classe específica de trabalhadores que possa ser prejudicada pela reforma. O que muda, neste aspecto, é que as entidades de classe (sindicatos), com o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical (que passa a ser facultativa com a nova lei), poderão, de certa forma, ter suas atuações enfraquecidas.

‘Bicos’ vão se transformar em trabalho formal e os trabalhadores passam a ter direitos. Isto pode prejudicar a contratação esporádica de profissionais?

Penso o contrário. As estatísticas demonstram que o número de trabalhadores informais aumenta a cada dia. E isso é, em parte, consequência da elevada carga tributária decorrente das relações de emprego. A reforma, como já foi destacado, visa também o aspecto econômico e, neste sentido, a pretensão do legislador é fazer com que trabalhadores deixem a informalidade e passem a figurar no mercado de trabalho como empregados formais, com seus direitos previstos e assegurados pela legislação.

As férias poderão ser dividas em três vezes em um único ano. Isto vai dificultar o trabalho das empresas?

Na verdade, o fracionamento das férias é permitido desde que haja concordância entre as partes, isto é, entre empregado e empregador. Não sendo viável o fracionamento, permanece a regra de concessão das férias em período de 30 dias. Na prática, há casos em que o próprio empregado prefere fracionar as férias de acordo com a sua conveniência e concordância do empregador. Esse é um exemplo de flexibilização trazido pela nova lei, cuja prática já era comum antes mesmo de sua promulgação.

Trabalhadores e patrões terão dificuldade para colocar em prática a nova Reforma Trabalhista?

– Como toda regra nova, dúvidas e incertezas dominam os fatos. A legislação trabalhista no Brasil, mesmo antes da reforma, já era por demais complexa. Com as alterações, novas dúvidas surgiram e é claro que trabalhadores e empregados enfrentarão dificuldades para se adaptarem ao novo cenário trabalhista.

A contribuição sindical deixando de ser obrigatória faz com que as entidades mostrem serviço?

Entendo que a reforma trabalhista, na verdade, incentiva a valorização dos sindicatos que, a partir de agora, deverão cumprir sua função com maior ênfase. Com o fim da contribuição compulsória, a tendência é de que sindicatos deverão se unir e compartilhar receitas e despesas, e o trabalhador, em regra, poderá discutir e deliberar para tornar a entidade mais forte e capaz de tutelar seus direitos.

Os empregadores que não registrarem funcionários serão penalizados com mais rigor a partir de agora?

É o que está previsto no artigo 47, do novo texto legal. O empregador que mantiver empregado não registrado estará sujeito a multa de R$3.000,00, por empregado, tratando-se de empresas maiores, acrescido de igual valor em caso de reincidência. Para micro e pequenas empresas, o valor da multa é de R$800,00, por empregado. Havendo descumprimento das demais obrigações relativas ao registro do empregado, a multa será de R$600,00, por empregado. Antes da reforma, o artigo 47, da CLT, previa multa de valor igual a um salário mínimo regional, por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência.

O trabalhador que faltar a audiências ou perder ação na Justiça terá que pagar as custas processuais. Isto pode intimidar os trabalhadores a acionarem a justiça?

O objetivo da nova Lei, neste particular, é tentar um mínimo equilíbrio em relação ao processo trabalhista. Antes, quase não havia penalidade para o trabalhador que deixasse de comparecer a uma audiência. O empregador, na mesma hipótese, arcava com o ônus de sua ausência quando, na maioria dos casos, era considerado revel e confesso. O mesmo ocorria em relação às custas processuais, que eram debitadas exclusivamente ao empregador quando sucumbente na ação. Na grande maioria dos casos, os trabalhadores, ao buscarem o Judiciário, são contemplados pelos benefícios da gratuidade da justiça, o que, de certa forma, lhes garantem acesso irrestrito em juízo para o exercício do direito de ação. Assim, com base no princípio da proteção ao hipossuficiente, entendo que os trabalhadores deverão continuar tendo acesso ao Judiciário Trabalhista.