Loui Jordan

Uma das maiores lições da vida é apreender e ensinar. Ana Carolina Voltani Chaves, sabe muito bem essa lição. Ana, foi campeã do Campeonato Brasileiro de Adestramento Paraequestre em Brasília no último fim de semana. Aninha, como é carinhosamente chamada pelo seu professor e treinador hípico, Carlos Renato Veiga Brito, tem 14 anos e pratica o esporte há três. Além de uma dedicação e um talento para o adestramento, Ana, tem no pai Luiz Gustavo Reis Chaves e na mãe, Valquíria Voltani Chaves, seus maiores incentivadores. A campeã brasileira, nasceu com uma paralisia que comprometeu sua mobilidade, nada que impedisse sua capacidade, talento e trabalho.

Ana exibe com orgulho as medalhas que trouxe de Brasília no fim de semana

Desde 2016, Ana tem praticado os treinos no Centro Hípico Vila Boa Vista. A princípio, seria por uma questão de recomendação terapêutica, uma equoterapia. Foi aí que seu pai, Luiz Gustavo, chamou Carlos Renato para ser o tutor de Ana. Pai e treinador possuem um longo contato. Luiz Gustavo teve a ideia de colocá-la na equitação e a pergunta para a filha foi sincera: Você quer ter as aulas para competir ou para outros fins? Essas respostas e outras mais, é perceptível com as conquistas e com o progresso de Ana na equitação. Luiz Gustavo foi o grande motivador da filha quando a pergunta é o que a motivou. “Principalmente meu pai que falou pra eu fazer esse esporte e depois que eu comecei nunca mais parei”, declara a filha vencedora que não só ouviu os conselhos, mas soube o que fazer com eles, convertendo todos em esforços.

Com a decisão de competir, a dedicação tornou-se um pré-requisito. Sendo assim, as dificuldades de se pegar na rédea, as questões do estribo e do “trote elevado”, foram aos poucos sendo superados por Ana. Ao lado do professor Carlos, que há 24 anos dá aulas e é cavaleiro profissional, a então aprendiz começou a elevar seu nível e passou a competir em grandes torneios. Segundo seu pai, aos poucos, os treinos foram se intensificando e a ideia esportiva aflorando. “Ela veio aqui no primeiro momento buscando essa questão terapêutica, mas depois ela foi desenvolvendo e aí nós verificamos que ela tinha aptidão para o esporte, adestramento paraequestre e aí o Carlos Renato intensificou os treinos e a gente começou a direcionar as aulas dela mais ao esporte”, conta Luiz Gustavo.

Campeonato Brasileiro de Adestramento Paraequestre

Foto: Divulgação

                  

O Campeonato Brasileiro de Adestramento Paraequestre, é considerado a principal competição nesta modalidade no país. O nome “paraequestre” faz referência ao torneio disputado por pessoas com deficiência física ou mental. A competição foi disputada entre os dias 16 e 18 de agosto. A prova consiste na seguinte questão: o cavaleiro deve apresentar uma série de movimentos de exercícios e o juiz dá a nota de 0 a 10 a cada grupo de movimentos. Esses movimentos vão aumentando a dificuldade de acordo com a categoria. No Paraequestre, a divisão é feita obedecendo o critério do nível de deficiência, que vai de 0 a 5. Dentro de cada grau existe a prova para o novato e a prova principal. Ana ganhou dentro da “esfera” dos novatos.

Aninha no pódium com suas medalhas

O esporte Paraequestre é o único esporte em que não há distinção de sexo. Homens e mulheres disputam a mesma prova e a idade também não conta, a única distinção são os graus de deficiência, de 1 a 5, sendo o 1 mais severo e 5, o mais brando. A trespontana é grau 3. Em relação ao cavalo, o único requisito é a idade mínima de 8 anos. No regular tem distinções de amador, profissional, mirim e distinção de série. Ana teve como companhia a égua Princess, da raça Freeza que é holandesa e tem 12 anos. O primeiro contato que a menina teve com o animal foi na antevéspera da sua prova.

A prova e o campeonato em si, tem um nível técnico muito alto. Brasília é atualmente o maior celeiro de grandes esportistas dedicados ao hipismo e a Equitação de forma mais ampla. Para se ter uma base do nível, foram 5 juízes no Campeonato de Brasília, fora os dois fiscais que ficam do lado de fora verificando tempo, equipamento e outros quesitos. A título de exemplo, o chicote não pode passar de 1 metro e 10 centímetros. Tudo é muito rigoroso e bem feito. Não basta só os equipamentos de segurança, são necessários também os uniformes e todas as outras formalidades, que torna tudo em um grande espetáculo.

Tirando a questão de expressão antes e depois das provas, tanto do atleta quanto do animal, essa competição prepara o praticante. O fato de Ana ter sido campeã é um sinal de trabalho bem feito e com foco, mas principalmente, um trabalho coletivo, pois nesse esporte não se ganha nada sozinho, tudo depende do conjunto. Sobre a união de uma equipe, Carlos frisa bem o comportamento de grupo. “Essa conquista é resultado de um esforço muito grande. Na dedicação dela, do apoio dos pais, no trabalho correto que a gente está fazendo desde o início e ela não tem moleza não, a gente trabalha forte”, diz o professor. É claro que o título, as medalhas e os troféus, fazem de Ana uma expoente maior ainda no cenário municipal, estadual e nacional, mas com ele vem o desejo de vencer mais, de melhorar a cada treino e de se superar, tornando assim o maior prêmio para uma vencedora.

A campeã com seu professor Carlos Renato

O trato com o animal e com o esporte

A ida a Brasília foi fundamental para adquirir mais experiência e deixar a galeria de troféus maior. Inclusive, na Capital Federal, as questões acerca do incentivo, bolsa-atleta foram descobertas, coisas que antes não havia sido colocada em pauta, até pela falta de incentivo deste esporte em Minas Gerais. Essa ausência de incentivo, não pode ser usada quando o assunto é o trato com animal e com o esporte, principalmente daqueles que são adeptos ao mesmo.

A campeã de adestramento paraequestre, treina 3 vezes na semana, segunda, terça e quinta, 45 minutos por dia. Ela é uma amazona de adestramento paraequestre, mas compete no adestramento regular, isso tudo a ajuda no desenvolvimento como atleta. Aninha já adquiriu boa vivência nesse esporte, já fez prova em Ribeirão Preto e ano passado, foi campeã mineira, contudo, ainda é necessário pontuar o fato de que ela disputa provas regulares, ou seja, ela aumenta o seu desempenho através de níveis mais altos. Para Carlos, a dedicação é fundamental. “Desde quando a gente começou a trabalhar, ela mostrou muito interesse, muita dedicação e foi evoluindo, tanto que a gente leva a Aninha para participar de provas de adestramento regular e inclusive até competições de salto, ela pratica também”, relata o professor que acompanha toda a evolução da aluna prodígio.

A relação desta trespontana com a modalidade é tão intensa e rica, que futuramente ela só tem a ganhar. Uma coisa que pode ajudar é o fato dela ter começado cedo e certamente terá mais traquejo no paraequestre no futuro. Tem atleta com 50 anos e com 17 anos de equitação e quando Aninha chegar aos 50, ela estará com 39 anos de experiência e se persistir, ela terá vantagem e conhecimento de causa. O trato com esporte é fundamental, o mesmo se pode dizer com o animal.

A sintonia entre atleta e animal é primordial. O cavalo ou a égua devem ser tratados da melhor forma possível, não só no quesito de pontuação em prova, afinal de contas, um arranhão no animal é extremamente prejudicial, mas no que se refere ao cuidado com o seu objetivo, até mesmo porque o animal é peça-chave para o atleta cumprir metas. Uma estratégia competitiva, utilizada por Ana e capitaneada por Carlos é o rodízio, isto é, trocar sempre de cavalo, afim de ter mais repertório. A variação é importante, a força, a intensidade, a pressão, o comando, varia de um cavalo para outro. Apesar deste rodízio, é importante o entrosamento de cavalo e cavaleiro. “Eu tô acostumada com o cavalo que eu sempre monto, só que daí a gente sempre tem que ir variando de animal. Então, eu acho que por isso foi uma das facilidades para costumar com a égua que eu fiz a prova em Brasília, porque é muito importante a gente ir variando de cavalo”, conta a amazona que conheceu o animal que estaria com ela na competição, dois dias antes da prova.

O conjunto entre animal e atleta é de tamanha sintonia, que o esporte proporciona muitas coisas aos envolvidos. Oferecer condicionamento físico, disciplina, coordenação motora, são exemplos disso, pois com o tempo, Aninha, aprimorou muitas qualidades e hoje é uma atleta que sabe dominar as emoções, é tranquila no aquecimento, focada, e claro, a vontade de vencer e gostar dos animais e do esporte são as maiores qualidades da competidora. Embora o foco seja nas provas de adestramento para equestre, ela tem grandes chances de conquistar mais títulos e seguir nessa carreira.

“Quem pode dizer o seu limite? ”

A pergunta acima é do professor Carlos Renato, o treinador que recebe alunos indicados por vários tipos de profissionais, entre eles terapeutas e psicólogos e acredita que o trabalho normal é a garantia de bons frutos. O trabalho normal referido é um trabalho de olhar o outro sem “legenda”, tratar todos da mesma forma. Uma prova disso é o modo de trabalho com a aluna vencedora. “Eu trabalho com a Aninha, e não considero a Aninha paraequestre, eu trabalho com a Aninha da forma como eu trabalho com qualquer outra pessoa. Até mesmo o lado que ela tem um pouquinho mais de dificuldade, eu digo para ela trabalhar com aquela mão, com aquela perna e tudo mais, da mesma maneira que eu mando ela usar a mão do outro lado e isto é uma conquista para ela”, conta o professor.

A pergunta sobre o limite, tem muito a ver com o objetivo de Ana. Só a pessoa que se dispôs a competir pode dizer seu limite, ou melhor, não ter pressa para encontrá-lo se por um acaso ele existir. As Paraolimpíadas por exemplo são um caminho a ser percorrido. De acordo com Ana, o objetivo não poderia ser outro: “agora que passou esse Campeonato Brasileiro, uma Paraolimpíada, uma medalha olímpica é minha meta”. A edição do ano que vem ainda é complicada por causa da sua idade, mas em 2024 não, quando a menina já estará com 19 anos e mais bagagem para desembarcar em Paris, capital francesa.

Fomentando o esporte no Centro Hípico Vila Boa Vista

No dia 28 de setembro deste ano, o Centro Hípico Vila Boa Vista sediará o Desafio Brasil Minas. Trata-se de uma prova por equipes onde os 3 melhores resultados da prova toda, independente da categoria, passam a integrar a equipe de Minas Gerais e a ser comparada com São Paulo e Brasília.

O Desafio Brasil Minas é uma prova regular e Ana vai participar dela também. Assim como ela e outros alunos, na Boa Vista tem 2 formatos: um é a escola de equitação, que é feita com cavalos da própria escola, tem programação de aulas seguindo os níveis. O outro é um Centro de Treinamento de preparação de cavalos.

O Centro na Boa Vista, trabalha com as 3 modalidades da equitação clássica, o adestramento, salto e o concurso completo. A especialidade do Centro é o adestramento, que é base para outras modalidades. Isto vale para todos os alunos e é a mais importante da equitação.

Segundo Carlos, a equitação não tem idade e só leva ao conhecimento. “Aqui na minha escola temos alunos de 2, 3 anos e tem aluno de 80. A equitação é um esporte para pessoas mais velhas também, porque é um esporte que leva muito tempo. É um universo de conhecimentos e você chega aos 50 anos de equitação e reconhecendo que não sabe nada ainda. Quanto mais você aprende, mais você vai descobrindo que existem coisas para aprender”, concluí o cavaleiro profissional. O Centro Hípico é um ambiente e uma organização atuante quando o assunto é fomentar a equitação e seus valores que se entrelaçam a cada cavalgada rumo a eficiência.

“Você não passar a mão na cabeça e cobrar, é uma forma de inclusão”