Beato pela Igreja, Francisco de Paula Victor, o Padre Victor de Três Pontas, completa neste dia 12 de abril, 196 anos de seu nascimento. O sacerdote negro que experimentou na vida as luzes da misericórdia de Deus, que se deixou guiar pela bondade e toda a trajetória de sua vida foi um hino à misericórdia. Destaca-se, em nossa região, como uma importante figura histórica que jamais será esquecida, de forma que continua vivo na memória do nosso povo sul mineiro, o “Anjo Tutelar Trespontano”.

Negro, filho de escrava nascido em 1827, na pequena cidade de Campanha (MG). Época em que ainda existia a escravidão da raça negra no Brasil, tempo das senzalas. Assim nasceu Francisco, filho de escrava, o qual, na juventude, almejou algo extraordinário: tornar-se sacerdote.

Francisco foi uma criança negra, robusta, alegre e de temperamento tranquilo. Deus plantou em seu coração o gosto pelo estudo e muitos dons: a humildade, a caridade e a fé. Na pequena cidade de Campanha, na Rua Saturnino de Freitas (antiga Rua Direita), viveu a sua infância.       

O jovem Francisco conheceu a realidade da escravidão. Por ser negro, filho de escrava, pobre, seria condenado aos duros trabalhos das lavouras ou minas.  Mas, por desígnio de Deus, sua madrinha de batismo, Mariana Bárbara Ferreira, fez com que estudasse e aprendesse a profissão de alfaiate e assim se preparasse para ser sacerdote, embora negro e escravo. Enfim, como aprendiz de alfaiate passava bom tempo de seu dia ao lado do mestre Inácio, aprendendo o ofício.

Após o tempo de estudo e preparação, Victor deixou a cidade de Campanha e se dirigiu para o seminário de Mariana (MG).  Consciente de sua vocação, seguiu sem medo algum, pois o fato de ter sido aceito já era prova suficiente para crer firmemente que Deus estava ao seu lado e o queria como mensageiro do Evangelho de seu Filho. Apesar das constantes humilhações devido à sua raça, o jovem filho de escrava teve, pouco a pouco, as suas virtudes reconhecidas por companheiros de seminário.

Após a ordenação, Padre Victor celebrou a primeira Missa em Mariana,  permanecendo até o dia 27 de julho 1851. Após essa data seguiu em direção à sua cidade natal de Campanha. Como de costume, a população deve ter-se preparado para aquele momento, acolhendo o neossacerdote negro, um ungido do Senhor. A Igreja de Santo Antônio, hoje a Catedral Diocesana, viu subir ao altar um sacerdote negro para celebrar a santa Missa.

Se não foi o primeiro sacerdote negro no Brasil, Padre Victor foi um dos primeiros. Num primeiro momento, a presença de Padre Victor foi causa de espanto para alguns por ser negro, principalmente para os grandes senhores acostumados a tratar seus escravos com rigor e desprezo. Por outro lado, para os negros era sinal visível de que Deus não os havia abandonado à mercê da exploração. A ordenação de Padre Victor reacendeu em muitos a esperança de que, um dia, iriam chegar à liberdade.

Chegar ao ministério sacerdotal foi mérito do esforço e da perseverança de Padre Victor e, também, uma grande manifestação de Deus. A Misericórdia de Deus é fonte para a santidade e neste sentido a santificação do Beato Padre Victor foi crescendo a cada dia à medida que se deixava viver somente pela infinita graça de Deus.

A maior parte de sua vida e o caminho na busca de santidade, Padre Victor o fez na cidade de Três Pontas, sul de Minas Gerais, aonde chegou, aos 25 anos, no ano de 1852.  Chegou e não mais foi embora.

Chegou a Três Pontas em 14 de junho 1852 e a população, no início, ficou descontente com Dom Viçoso, quando desceu de um cavalo um Padre negro, forte, de aparência comum. Porém, o Beato Padre Victor chegou caminhando com passos firmes, acolhendo a todos. A sua presença na vida do povo era evidente. Muito próximo e paternal, atento às dificuldades, não media esforços para atender, cordialmente, às necessidades de todos. Simplesmente, foi do povo e para o povo: não tinha férias, nem dias de descanso.  Em curto tempo, os corações dos trespontanos se renderam à bondade do Padre Victor. De rejeitado, passou a ser querido e amado, porto seguro, mão estendida, principalmente, para os pobres.

A força da misericórdia de Deus na Vida do Beato Padre Victor o foi modelando, tornando-o um Sacerdote de humildade.  Na Paróquia, Padre Victor se mostrava humilde; servia, sem distinção, o povo de Deus.  A sua vontade de crescer nos caminhos de Jesus Cristo foi tão forte a ponto de se fazer servo de todos.

O seu coração sacerdotal poderia ter almejado e proporcionado para si as glórias humanas que esse estado de vida lhe poderia oferecer. Entretanto, o seu ministério não se tornou meio de promoção de si mesmo, nem de opressão e de vingança, principalmente para com os que o fizeram sofrer. Em nenhum momento se mostrou cheio de soberba, de vaidade.

A força da misericórdia de Deus na Vida do Beato Padre Victor o foi modelando tornando-o um sacerdote de caridade. Os órfãos receberam dele também afeição, haja vista que criou duas crianças em sua casa, Antônio Ferreira de Araújo e Ana Rosa de Laura Vítor. Padre Victor foi consolo para os doentes de Três Pontas e região, como o foi no caso do adolescente hanseaniano, do qual cuidou pessoalmente em sua casa. Consciente do valor da educação para a promoção de uma sociedade mais justa e fraterna, Padre Victor, cuidou de criar uma escola. Alunos de toda a região se dirigiam para Três Pontas a fim de estudarem na Escola Sagrada Família.

Padre Victor teve muitas cruzes em sua vida, principalmente, a do sofrimento. Basta recordarmos as dificuldades encontradas no seu caminho para seguir a sua vocação. Na Paróquia, junto ao povo de Deus, diante das situações de dor, sempre a sua palavra trazia conforto e alívio. Quantas pessoas amarguradas, crucificadas, devido ao pecado, saíram do confessionário ressurgidas, com ânimo para viver!

Foi impressionante a sua dedicação em sofrer com os que sofriam, de se crucificar com os que eram crucificados. De coração compassivo, mesmo já em idade avançada, sofrendo com a doença, perseverou no caminho e na missão junto a seus paroquianos.

Foram 53 anos de serviço ao povo de Deus. Embora já fosse do conhecimento da população a fragilidade física de seu pastor, a notícia de sua morte transformou o dia 23 de setembro de 1905 em uma data eterna. Durante os dias em que foi velado, não houve nenhum sinal de decomposição em seu corpo. Pelo contrário, exalava perfume.

Com o passar dos anos, a pessoa do Beato Padre Victor ainda continuava viva na vida do povo e, diante dos inúmeros relatos de graças alcançadas por sua intercessão, a Diocese da Campanha – MG iniciou o processo para sua Beatificação. Após longos anos de estudo e oração, em 14 de novembro de 2015, a Igreja o Beatificou. (Texto do livro: Padre Victor, um coração marcado pela misericórdia, de padre Vânis Vieira da Cunha, Pároco da Paróquia de Nossa Senhora Sant’Ana)

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here