Assim como a vida das pessoas mudaram com a pandemia da Covid-19, o setor de saúde também. Nunca se viu tanta gente em busca da vacina, apesar daqueles que duvidam da sua eficácia. Se no começo eram pouquíssimas doses para um público restrito e a vontade de vacinar era grande, depois vieram as fakenews que fizeram uma parcela pequena da população desafiar a ciência. Basta um aviso e uma multidão se perfila em frente as unidades de saúde ou nos pontos de vacinação montados exclusivamente para imunizar os trespontanos. E se muita coisa mudou na saúde, o setor de epidemiologia nem se fala. A correria para organizar a vacina que estava chegando para o dia seguinte, fez tirar o sossego da experiência dos profissionais que estavam acostumados com as campanhas ao longo do ano. A coordenadora do Programa Municipal de Imunização da Secretaria Municipal de Saúde Lara Miranda Silva, não escondeu que houveram erros, na busca por acertar e atender as pessoas de forma humanizada. Ela é a nossa entrevistada desta semana, da série “Covid 2 anos”

Lara, o que mudou com a pandemia da Covid-19?

Muitas coisas mudaram. No início quando a pandemia começou, não tínhamos acesso aos testes de Covid-19, eram apenas os de anticorpos e viam em pequena quantidade. A gente tinha que ficar selecionando muito os grupos prioritários e não conseguíamos receber nem do Estado e nem comprar. Depois a situação veio melhorando, chegaram os testes e fomos expandindo. Depois começamos a trabalhar com o PCR, que é o teste de swab nasal, que geralmente faz somente no Hospital e por isso, fazíamos apenas em pacientes internados, porque tínhamos pouco acesso aos testes, mas depois começou a melhorar, onde foram expandindo as opções. Quem acompanhou desde o início, percebeu que fomos melhorando e ampliando o público a ser atendido. Hoje temos bastante testes. Passamos desta fase e por ainda não ter a vacina foi uma fase difícil, com muitos casos, internações e muitos óbitos. Depois as doses vieram. Vocês se lembram que a primeira remessa que chegou em Três Pontas foi de 544 doses, que aplicamos para quem estava na linha de frente que atuava no Hospital. Foi tudo muito difícil, porque todos queriam e não tinha vacina para todo mundo. Vieram remessas de 500, 300 e chegamos a receber até 150 doses apenas. Mas a medida que fomos trabalhando a faixa etária, fomos ampliando a cobertura vacinal e chegamos em uma situação mais confortável. Hoje temos vacina para todos. Hoje não se usa mais testes de anticorpos, porque graças a Deus, a maioria da população é vacinada. Provavelmente todos vão dar positivo, ou para a vacina ou para a doença, isso em relação aos testes de anticorpos. As coisas foram mudando e vieram os testes rápidos antígenos que emitem o resultado em 15 minutos. Depois as farmácias e laboratórios conseguiram ter acesso e testar a população. Hoje temos uma situação bem mais confortável que antes. Mas foram várias fases e lutas, mas graças a Deus conseguimos. Claro que com falhas. Algumas coisas poderiam ter sido melhores, mas foi o que conseguimos fazer naquele momento. Conseguir alinhar a Secretaria de Saúde, a Epidemiologia, com o Pronto Atendimento Municipal, o Hospital, com o envio das amostras para Belo Horizonte diariamente, isso foi muito difícil. Imagina em uma coleta, você preencher todos os sistemas do governo, mandar em torno de 20 a 40 coletas para Belo Horizonte todos os dias. Conseguimos porque todo mundo se uniu e ajudou. Ficamos muito unidos, todos os setores ajudaram, sem eles não seria possível. Interessante também eram os protocolos. A gente assentava e reunia – Epidemiologia, Hospital, PAM, os médicos e profissionais de linha de frente e passava uma orientação. A tarde esta orientação mudava. Parecia que a gente estava confuso, mas não era, estávamos acatando as orientações que recebíamos do Ministério da Saúde. E justamente por ser uma doença nova, que ninguém sabia nada, a medida que ela foi acontecendo fomos melhorando. No que se refere aos tratamentos, no início se morria muita gente, depois foram descobrindo, melhorando as condições de tratar o paciente com Covid-19 e muitas pessoas conseguiram sobreviver.

A Covid-19 ainda gera dúvidas entre os profissionais de saúde ou isto já foi superado?

Ela gera dúvidas ao profissional que não procura se informar. Ainda vejo que existem dúvidas porque as pessoas não leem, não se informam e ainda continuam vindo coisas novas. Em relação a tratamento bem menos, mas são testes novos que estão entrando no mercado. Já está se falando do auto teste, que eu ainda não vi se já temos por aqui. Então são várias situações, mas isto quando o profissional não tem conhecimento.

A rotina de trabalho foi massante nestes dois anos?

Não tem nem como explicar. Na verdade, nós ficamos muito na linha de frente, tanto o Hospital quanto o Pronto Atendimento. Andréia e eu lá na Epidemiologia, que fazemos toda esta logística era 24 horas por dia, de segunda a segunda. Porque tudo mudava muito, e o pessoal tinha muitas dúvidas. Muitas vezes o Hospital me ligava as duas, três horas da madrugada, passava mensagens, o Pronto Antedimento informando as mortes, porque a gente tinha um tempo para fazer a coleta. Tínhamos alguns momentos que a situação se acalmava depois se agravava novamente. No fim do ano passado, estava tudo bastante calmo e eu consegui tirar férias. Quando estava voltando, na primeira semana de janeiro, os casos estavam lá em cima, por causa da nova variante, a Ômicron. Graças a Deus ela não gerou tantos óbitos, mas arrebentou no número de casos. Com ela chegamos a ter 200 casos por dia, o que não acontecia com outras variantes, mesmo quando a Covid estava matando mais. Foram momentos muitos difíceis, que realmente a gente não descansava e perdia noites de sono com muita informação.

Qual foi o pior momento?

Quando começou a morrer muitas pessoas. No começo do ano passado, entre março e maio, foi quando não se tinha vaga no Hospital, todos os respiradores estavam ocupados e foi uma sensação muito difícil, porque o pessoal do Hospital sofreu pesado. A gente (até eu mesma) de fora vendo aquilo tudo, começávamos a pensar nos nossos familiares e amigos. E nesta hora não adiantou ter dinheiro, porque não tinha vaga. Foi uma das piores fases, uma amargura e uma coisa terrível. Eu tenho as agendas de todo mundo que fazia a coleta e que se internava. Ela servia para o envio de logística de material e eu ia olhando e percebia que as folhas estavam ficando pequenas demais. Troquei por uma grande e ainda tinha que pregar uma folha para fazer toda a anotação que precisava. Foi pesado demais para todos os profissionais. Era comum encontrar colegas nas ruas chorando por alguém, era triste demais.

Quando vinha poucas vacinas todo mundo queria. Com o avanço da vacinação, as pessoas foram se conscientizando, mas surgiram as fakenews. Elas atrapalham a vacinação das pessoas?

Eu acho que foram vários fatores. Lógico que teve a fakenews, usou-se o nome de muitas pessoas que a maioria nem sabe quem é, usaram o nome de profissionais da Fiocruz, inventaram cientistas que nunca existiram. A gente que atua nesta área, vimos que pelo mundo inteiro e no Brasil iniciou-se um movimento antivacina e não apenas na vacina contra a Covid, mas em todas. Prova disso, é que está havendo a reintrodução de outras doenças no País que estavam quase extintas, como o sarampo e a paralisia infantil que podem voltar. As coberturas vacinais caíram demais, junto com a da Covid-19. Ainda teve a questão do presidente Bolsonaro, que não sei porque arrumou esta confusão. As pessoas que tiveram reação das vacinas, tem que se lembrar que toda vacina tem uma reação. Muita gente não tem muito argumento, pelo simples fato de não quererem se vacinar e pronto. Eu não paguei para ver e me vacinei. Se a gente for pensar em relação a vacina Covid que foi aplicada em bilhões de pessoas, o índice de problema é muito menor que 1%. No caso da paralisia infantil, a cada 4 milhões de crianças vacinadas apenas uma vai ter a doença pela vacina. É melhor uma do que 100 mil doentes.

O momento hoje, podemos dizer que a pandemia acabou?

Ainda não podemos dizer que a pandemia terminou porque a gente trabalha com o vírus, ele é mutante e a gente já viu várias situações. Agora vimos uma variante altamente contagiosa, mas menos letal. Geralmente o comportamento dos vírus é assim. Eles não querem matar o hospedeiro, ele quer sobreviver. Acredito que novas variantes venham surgir e vamos esperar. Hoje a situação é um pouco mais confortável, mais ainda é de alerta. Não sei se haverá um novo vírus, não sei o que vai acontecer. O que sabemos é que é preciso se proteger. Já me perguntaram se terá todo ano a vacinação e eu não sei responder. Porque agora estamos em uma situação confortável e de repente sempre vai haver uma ou outra pessoa que vai se complicar, principalmente os idosos e o grupo de imunossuprimidos. Temos ai a liberação de máscaras nas ruas, os estádios de futebol estão cheios, as festas e os shows voltaram com tudo. Temos que analisar se estes casos não vão aumentar.

Como foi organizar as vacinadoras para dar conta desta demanda que nunca existiu, inclusive quando muitas delas também se infectaram?

Foi uma luta muito grande e um grande aprendizado. Agora aprendemos que o melhor é trabalhar por idade. A gente teve um dia que foi o primeiro de vacinação para crianças, que eu estava com quase todas as vacinadoras com Covid. A gente passou a maior dificuldade porque ainda choveu, o povo com as crianças esperando e tínhamos que vacinar. Acho que hoje nós estamos prontos para qualquer outra pandemia e temos experiência. A gente errou muito, mas a gente também acertou e fomos tentando melhorar. As vezes se tinha 2 mil doses no Município e as pessoas ansiosas para vacinar. Formava-se uma fila enorme, mais vacinávamos todo mundo. Tivemos dias que para a população foi difícil mas para a gente também. Mas a o objetivo era vacinar todo mundo.

Como que você coordenadora deste setor, trabalha para atender as exigências e determinações do Ministério da Saúde com a estrutura que se tem e a vontade do povo em vacinar?

Para falar a verdade eu nem sei. Foi tudo muito novo. A Débora [coordenadora da Atenção Básica da Secretaria de Saúde] me ajudou demais, com as escalas, os locais, até o lanche era ela que solicitava. A nossa secretária de saúde Tereza Cristina também esteve junto com a gente e nos ajudou demais. Muitas pessoas nos ajudaram. Já foram mais de 100 mil vacinas aplicadas, fora as de rotina, como a da gripe. E já sentamos para nos programar para a vacinação contra a gripe que começa na próxima semana.

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