Dra. Roberta Nogueira tem sido bastante requisita por emissoras de TV. Foto: Arquivo pessoal

 

A infectologista trespontana Roberta Schiavon Nogueira, que mora e trabalha em São Paulo (SP), está com os dias corridos e sem tempo para quase nada. Ela nasceu em Três Pontas e é filha do ex-prefeito Paulo Roberto Nogueira e de Gerusa Schiavon Nogueira.

Formada pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro em 1992, se mudou para São Paulo no ano seguinte, onde fez residência de clínica médica até 1994.  Em 1995, se especializou em Infectologia no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.Roberta mora na capital paulista e é coordenadora clínica da Casa da Pesquisa do Programa Estadual de Aids do Estado de São Paulo e coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Aviccena, da Rede D’or São Luiz.

Dra. Roberta Schiavon Nogueiraestá muito requisitada para entrevistas em emissoras de TV como Rede Globo e CNN, mas atendeu a Equipe Positiva e respondeu a algumas perguntas sobre o Coronavírus, alertou aos seus conterrâneos sobre os perigos e afirmou que o isolamento social é importantíssimo para frear a curva de crescimento da pandemia pelo Covid-19.

Alguns prefeitos e governadores estão estudando diminuir as restrições quanto ao funcionamento do comércio. Com isto, será mais gente circulando.  Você acha que isto pode prejudicar o trabalho e aumentar a contaminação?

Essa estratégia que está sendo executada pelo mundo todo, que as pessoas se mantenham no seu domicílio, convivendo o mínimo possível, inclusive com seus familiares é para tentarmos quebrar a cascata de transmissão e é muito válida. A gente sabe que o vírus tem infectividade muito alta,ou seja, uma pessoa infectada tem a capacidade de contaminar no mínimo 3 ou mais pessoas. Se eu contamino três pessoas, três contaminarão mais três que são nove, assim por diante, gerando um crescimento exponencial. Por isso a necessidade do distanciamento social.

A volta as aulas também seria um risco às crianças?

As crianças podem funcionar como transmissores da doença para dentro de casa. Muitas delas adquirem o vírus, mas não manifestam nenhum sintoma. Não tem queixa nenhuma, mas estão com vírus ali no seu trato respiratório e na hora que elas falam, espirram ou tossem por qualquer motivo, elas contaminam quem está ao redor, como seus pais, seus tios e os demais familiares. Por isso que a gente tem que manter também as escolas fechadas. As aulas podem ser ministradas a distância,via internet. A gente não pode realmente permitir a aglomeração de maneira alguma. Se não retardarmos a transmissão do vírus, não teremos capacidade tanto a nível de medicina pública e quanto a medicina privada de atender a demanda. Então, isso que a gente chama de achatamento da curva, a gente tem que fazer com que o crescimento seja bem mais lento, porque aí o número de pessoas que necessitarão de internação hospitalar, vai ser menor, dando assim tempo de irem adequando, reciclando hospitais e preparando novas estruturas, principalmente de leitos. Se não fizermos esse distanciamento social, essa ação que tá sendo feita praticamente no mundo todo, a epidemia vai crescer de forma absurda. A gente viu isso bem clássico na Itália, onde cresceu de forma exponencial e levou a uma total saturação do serviço de saúde. É muito doente para pouco serviço.

E a higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel, deverão ser agora constantes a partir de agora?

É de suma importância. O vírus fica na nossa mão e sem querer a gente coça o nariz, os olhos, a boca e leva o vírus para dentro do nosso organismo através da mucosa ocular, respiratória e bucal. Fazendo a higienização correta a gente não leva o vírus para dentro do organismo. O vírus não penetra pela mão de maneira alguma. A mão é o veículo de transmissão do vírus. Através dela que se leva o vírus para as mucosas nasal, ocular ou bucal. Temos que higienizar as mãos idealmente com água e sabão e usar toalhas de mãos individuais. O vírus tem uma capa de gordura de lipídios, que o sabão quebra essa capa de gordura. Quando estamos nas ruas, como não há pias disponíveis, para lavarmos a mão com água e sabão o álcool em gel.

Quem está com gripe, já é indicado utilizar as máscaras?

O uso da máscara de forma aleatória, por pânico, só gera desabastecimento. As máscaras devem ser usadas apenas por quem está doente ou pelos profissionais da saúde. O uso desordenado de máscaras leva à escassez deste insumo. Já estamos tendo problemas com falta de EPIs. Se os profissionais de saúde, não tiverem máscara para trabalhar de forma adequada, eles vão se adoecer e não teremos pessoas para cuidar dos doentes. Quem tem que usar máscara são apenas os profissionais de saúde na hora do atendimento. E aquela pessoa que está doente ou está com suspeita de Covid-19. Quem não tem a doença tem uma gripe pelo Influenza quadro comum,  não precisa usar a máscara. Ela dá uma falsa sensação de proteção. Vimos inclusive na China, muitos profissionais da área de saúde se infectando. Quando a gente faz a análise retrospectiva dos casos, percebemos que a principal contaminação ocorreu na hora de você retirar os EPIs, como a máscara. Se você não tira a máscara de forma adequada, você acaba se contaminando.

Quais os sintomas mais graves da Covid-19?

O Coronavírus tem uma característica de dar poucos sintomas de via respiratória alta, ou seja, ele raramente dá espirro, coriza (nariz escorrendo). Isto raramente acontece. É muito comum, febre acima de 37,8ºC cerca de 80% das pessoas terão febre. Estão chamando atenção que existe um grupo que não terá febre e terão tosse. Pode acontecer também em algumas situações em que a pessoa não consegue perceber o cheiro das coisas (anosmia). Outro é a pessoa não sentir o gosto das coisas de forma como eles são (disgeusia). Mas os principais sintomas que são de alerta, é principalmente a febre alta persistente, a falta de ar e o cansaço.

Em que casos os pacientes precisam ficar internados?

Quem tem critério de gravidade, como pessoas de mais idade, presença de comodidades severa e descontrolada, como diabetes, doenças cardiovasculares, enfisema, neoplasia, que estejam fazendo quimioterapia, doenças auto-imune.

Fala-se muito que o vírus teria alta infectividade mas uma relativamente baixa mortalidade. Mas o que se tem verificado é uma intensa preocupação e mobilização da mídia e de toda a sociedade em torno do assunto. A Dra acha que se justifica ou talvez haja um alarde excessivo?

Ainda em relação a letalidade, vários fatores contribuem para isso, inclusive a capacidade do sistema de saúde de dar o aporte de atendimento. Por isso, mais um grande motivo para nossa reclusão, o distanciamento social, para que se tenha Unidade de Terapia Intensiva (UTI) o suficiente para atender quem realmente precisa porque se for todo mundo no mesmo momento, não é possível atender e taxa de mortalidade será altíssima. Vemos na Itália uma taxa de letalidade mantendo acima de 10%. Ou seja, em cada cem pessoas que pegam Covid-19 dez morrem. O mesmo está acontecendo na Espanha. Enquanto que nos Estados Unidos a letalidade está bem mais baixa porque acaba tendo mais recurso. O Brasil tem uma quantidade razoável de leitos de UTI mas não é distribuído de forma proporcional. A gente sabe que grande parte dos leitos estão na medicina privada e a maioria deles na região Sudeste e Sul. Precisamos mudar isto, para que todas as regiões do país,independente do poder econômico das pessoassejam bem atendidas e a a taxa de letalidade seja bastante baixa.

A pessoa pode contrair o Coronavírus duas vezes?

Não temos resposta ainda pra isso. Até o momento não há nenhum relato de pessoa que se infectou duas vezes. A gente sabe que o vírus cria anticorpos, mas a capacidade de protegê-lo contra outra infecção e por quanto tempo seria capaz de protegê-lo, ainda não sabemos. Nós não temos a resposta ainda pra essa pergunta.

O Covid-19 afeta qual órgão do corpo?

Principalmente os pulmões. Tanto que alguns pacientes acabam levando uma síndrome da angústia respiratória aguda, que é gravíssimo, mas o vírus também pode acometer outros órgãos. Ele pode inflamar o músculo do coração. Não é comum, mas há relatos também de invasão do sistema nervoso central. Ou seja, é um vírus que não fica exclusivamente no pulmão, podendo acometer outros órgãos, levando a casos de miocardite, encefalites e disfunção de múltiplos órgãos.

O paciente infectado pode ficar com sequelas?

Também ainda não sabemos. Aparentemente quem tem a forma leve parece que não fica com sequela não, mas ainda precisamos de maiores dados. Quem faz a forma grave, que vai precisar de ventilação mecânica, não sabemos ainda se vai deixar um grau de fibrose, ou comprometimento de troca gasosa. Ainda é muito precoce a gente afirmar que sim ou que não.

Quando realmente será o pico de transmissão da doença?

Pelos modelos matemáticos, talvez por volta da segunda a quarta semana de abril, teremos o pico da epidemia.Então, vale aí mais uma mensagem. Vamos nos manter em casa pra gente tentar achatar esse pico. É a única maneira que realmente a gente tem de reduzir esse pico. Se conseguirmos fazer a redução desse pico de número de pessoas, conseguiremos fazer um atendimento para maior número possível de brasileiros.

O presidente Jair Bolsonaro fez um discurso em rede nacional, classificando o Coronavírus como uma “gripezinha”. Qual sua opinião sobre a visão dele em relação ao vírus?

Isso não é uma gripezinha, é uma doença séria que está matando muita gente. Basta acompanharmos o número de óbitos por dia no mundo todo. A Itália está devastada. As pessoas estão tendo que ser incineradas em grupo porque não há serviço funerário que dê conta do número de óbitos. É uma doença séria que acomete com certeza mais pessoas de idade, mas também nós temos visto nos últimos tempos atingido pessoas mais jovens. Inclusive sábado nos Estados Unidos houve o óbito de uma criança. Até então não havia nenhum óbito em pessoas com menos de nove anos e esta criança que faleceu tinha apenas um aninho. Tivemos na França também óbito em adolescentes de 16 anos e aqui no Brasil já tivemos óbito em pessoas com 30 e poucos anos.

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