Karina Corrêa conta como cuidou da filha durante os 16 anos e da perda da sua caçula apra a Covid-19. Fotos: Equipe Positiva e arquivo pessoal

 

Autistas não conseguem fazer o uso de máscara e por isto, fazem parte do grupo de risco e devem ser estar na lista de prioridades para receberem a dose da vacina contra a Covid-19

A enfermeira Karina Fernandes Corrêa, mãe da Ana Júlia Corrêa e Silva de 16 anos gravou um vídeo na última semana, para alertar as pessoas quanto ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A iniciativa da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Três Pontas (APAE) foi a de conscientizar e informar as pessoas sobre o que é o Autismo – um transtorno no desenvolvimento do cérebro que afeta cerca de 70 milhões de pessoas em todo o mundo e não tem cura. Porém, este ano, quando o vídeo foi veiculado, a filha de Karina, sua preciosidade, já havia se tornado um anjinho no céu azul, pois ela perdeu a menina para a Covid-19, na última quarta-feira (31) e se tornou a 56ª vítima no Município.

Karina, que é enfermeira há 20 anos, é sinônimo de força e dedicação profissional. É casada com Marcelo da Silva, com quem também tem um filho, o Pedro Henrique Corrêa e Silva, de 18 anos. A luta de Karina começou desde quando Ana Júlia, carinhosamente chamada de Jujú, nasceu e veio ao mundo com síndrome de down.

Ela soube pouco antes dela nascer em um utrasson, que a sua menina viria com o “sinal do limão”. Ela não sabia do que se tratava e o médico disse a ela que era um problema na cabeça. “Sinal do limão” representa o formato do crânio da criança. Naquela época, Karina não havia feito durante a gestão, o ultrasson morfológico, apenas o comum. Só soube que a Ana Júlia nasceria com síndrome de down, assim ela nasceu e a notícia foi dada pelo pai da menina. Marcelo chegou no quarto e avisou a esposa que a bebê era linda e tinha sindrome de down. Karina não acreditou e a mãe dela, até ficou brava com o genro. Apesar dos traços, elas não enxergaram a deficiência e a bebê foi submetida a um exame cariótipo, que demorou três meses ficar pronto. O resultado chegou pelos Correios e transformou a rotina e a vida da família Corrêa e Silva.

Quando a menina nasceu, Karina teve que deixar seu emprego no Hospital São Francisco de Assis, onde trabalhava há 7 anos. A mãe ficou por um ano se dedicando a Ana Júlia, que precisou fazer um procedimento cirúrgico cardíaco aos três meses de vida.

Posteriormente Karina foi convidada a trabalhar na APAE de Três Pontas, aonde foram 7 anos de felicidade e muito aprendizado. A esta altura, Karina começou a observar e comparar o comportamento da Jujú com as outras crianças atendidas pela instituição. Mas foi durante uma visita a um clube de lazer da cidade, que ela percebeu que a sua filha tinha algo a mais. Ana Júlia se jogava sobre pingos de ouro, e sentia prazer ao ficar toda ferida. Ela falou com a coordenadora área Escolar da APAE, Francini Gonçalves e pediu um relatório. Karina levou a filha para uma avaliação em São Paulo (SP) e recebeu este diagnóstico, além da sindrome de down, a sua filha também era autista. Foram três dias de muito choro para aceitar a situação e a luta se tornou ainda maior. Foram muitas crises e transtornos, idas inesperadas ao Pronto Atendimento Municipal (PAM).

Quando ela notou, que estava envolvida demais com as crianças da APAE, e precisar de mais tempo para se dedicar a Ana Júlia, Karina decidiu também deixar a equipe da APAE. O tempo passou, o convite agora era para atuar na Vila Vicentina. Karina revela que adorou atuar na instituição, onde permaneceu por 4 anos. A Jujú sofreu um engasgo desta vez, bem mais grave e a mãe decidiu parar novamente de trabalhar para se dedicar exclusivamente a Jujú. Ela chegou a ficar cinco dias em coma em Hospital de Pouso Alegre, e quando se recuperou tirou todos os aparelhos que estavam com ela e gritou pela mãe.

Ana Júlia, ganhou o apelido carinhoso de Juju

Com a pandemia, a enfermeira teve todo o cuidado possível com a filha. Vale destacar que os autistas têm um risco a mais de todos os outros tipos de deficiência, inclusive das pessoas. Eles não conseguem colocar máscara, não adianta nem tentar que eles não aceitam, devido à problemas sensoriais. Por isso, ela estava sempre lavando as mãos da menina com água e sabão e fazendo o uso de álcool em gel.

Sobre a Covid-19 tudo aconteceu muito rápido. Jujú apresentou um tosse leve e sutíl. A mãe a levou no médico e ao ser examinada seu pulmão estava limpo, mas mesmo assim foi indicado o tratamento com o uso de Ivermectina e antibióticos durante 5 dias, porém, o estado de saúde da menina piorou de forma rápida. Além da tosse a noite, vieram os vômitos Jujú retornou ao PAM. Imediatamente fizeram raio x do seu pulmão e descobriram que ela estava com o órgão todo tomado infecção. A mãe então conta, que sabia da gravidade do estado de saúde da filha e que havia a possibilidade dela não sair mais de lá com vida.

Por ter trabalho na Santa Casa, durante tantos anos, o Hospital proporcionou a enfermeira a oportunidade dela ficar ao lado de Jujú o tempo todo, uma vez também que ninguém mais conseguiria ter acesso à paciente. Foi Karina que executou todas as medicações, menos o oxigênio que ela não aceitava. Foram três dias de muito sofrimento e durante a noite, a mãe achava que teria que soprar a boca da filha para lhe oferecer o ar que estava faltando, mas sabia que não conseguiria por muito tempo. Elas tiveram que dormir sentadas. Após, Jujú foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e como exemplo dos outros atendimentos, foi muito bem tratada.

Ao receber a Equipe Positiva, Karina demonstrou sua fortaleza. O fato de ter deixado todos os excelentes empregos que teve para se dedicar exclusivamente à Jujú, é o que a faz seguir a vida, de forma serena e grata pelo aprendizado que teve nestes 16 anos ao lado de Ana Júlia. “Depois que tive ela, eu aprendi a amar mais, não julgar e ajudar as pessoas.”

Karina aproveita para fazer um alerta ao caos que existe na saúde pública por causa da pandemia da Covid-19. “A situação está grave não é no Rio de Janeiro, em São Paulo, é aqui também, em todos os lugares. É falta de vaga na UTI, problemas com o fornecimento de medicamentos, profissionais esgotados e sobrecarregados”, detalhou Karine Corrêa, que já esteve nesta linha de frente. Ela continua ressaltando que a rotina está muito árdua e dífícil. “Precisamos clamar à Deus e nos entregar por inteiro aos cuidados D’ele. É um momento de lockdown. Jovens, adolescentes, idosos, se cuidem, todos estamos no grupo de risco, não é hora de festas, comemorações, vamos nos conter e ter um outro olhar à Covid-19”, recomenda.

Antes de terminar, ela fez um agradecimento especial a todos do Pronto Atendimento e do Hospital que estão se empenhando ao máximo. Ela avalia que as instituições de saúde de Três Pontas estão muito bem preparadas, porém, a condição do autista é muito peculiar. Os estudos apontam que a cada 110 pessoas no Brasil uma é autista. Esta explosão do número de pessoas com autismo preocupa muito. Foi nos anos 90, que começaram a parecer as primeiras pessoas com sinais do autismo e os médicos achavam que era exagero das mães. Depois de se passar 20 anos, estima-se que no Brasil de 211 milhões de habitantes, 2 milhões sejam autistas. O país na visão dela, vai precisar se organizar e capacitar profissionais para cuidar destas pessoas. Ela quer promover um movimento para conscientizar que os autistas estejam no topo da lista do Plano de Vacinação do Governo Federal, para receber a vacina da Covid-19, o mais rápido possível e que de fato as políticas públicas sejam utilizadas em favor de quem mais precisa neste momento turbulento do ápice da pandemia.

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