Fotos: Denis Pereira/EP

 

A Santa Casa de Misericórdia do Hospital São Francisco de Assis de Três Pontas, ganhou mais uma referência para o Estado de Minas Gerais, que é a captação múltipla de órgãos para transplante. O trabalho para que isto acontecesse não começou agora. No Hospital foi formada a Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT). Na última semana, a equipe foi coroada por um “sim” da família do jovem de 22 anos. Alessandro de Paula Vitor Júnior, morreu após sofrer um acidente de moto e acabou tendo morte cerebral.

Foram doados, o coração, os rins, o fígado e as córneas e no mínimo seis vidas puderam ser salvas, com este gesto nobre da família, que mesmo em um momento extremo de luto, tomaram a decisão de autorizar a captação para salvar vidas que aguardam, muitas vezes, há anos por transplante em uma fila.

A CIHDOTT é formada por seis enfermeiras, uma psicóloga e o médico neurocirurgião Dr. Filipe Mota Zanatelli. O grupo é atuante e atento as possibilidades que surgem. A Santa Casa já fez a captação de córneas, retirada inclusive por uma equipe do próprio Hospital, mas é a primeira vez que a captação é múltipla.

Quem se enche de alegria para contar os passos desta comissão é a sua presidente,  Adriene Patrícia Ferreira Pires. Sua história de vida pessoal e a bravura que enfrentou em 2016 – pela sua filha Maria Luiza Ferreira Pires, a época com apenas 5 anos – a fez ser receber o convite de ser a enfermeira responsável pela CIHDOTT, e fazer dela uma Comissão atuante. Reuniram-se um grupo de enfermeiras, que juntas sonharam com a possibilidade de um dia, o hospital que dedicam anos de suas vidas, pudesse fazer captação de múltiplos órgãos. Começaram uma jornada de cursos e visitas técnicas. Mais aí veio a pandemia e tudo ficou parado, até que surgiu o primeiro protocolo de morte encefálica. Com grande, parte da equipe distante, para que tudo desse certo, Adriene fez da Santa Casa a sua casa e durante três dias, com ajuda incansável de Brunna e Talita, e com apoio a distância de Tatiane, Daniele e Alessandra, ninguém mediu seus esforços para que tudo acontecesse.

Uma das maiores missões da CIHDOTT, é ofertar à família, mesmo diante da dor, proporcionar que outras pessoas possam viver. Talvez isto para Adriene, tenha um peso maior, porque um dia também precisou de um sim. Quando a família de Alessandro foi abordada e aquela mãe disse sim a doação de órgãos, a mãe da Maria Luiza, viu nela a grandeza que enxergou em Dona Regina, mãe da Helen Rose Mendes Mesquita, que doou 30% do fígado para sua pequena, que a vida da sua filha fosse mudada.

A resposta positiva desta família na última semana, também transformou a história – das famílias e das pessoas que receberam os órgão, a história dos profissionais e principalmente a nossa deles e da população do nosso Hospital. “Foi um sim dado diante de tanta dor e lagrimas, mas que no fundo trazia conforto e paz ao coração”, celebra Adriene Pires. Ela compartilha da alegria e atribui que isto só foi possível porque muita gente abraçou seu sonho que se tornou o sonho de todos. Estar numa lista de espera, esta mãe sabe o quanto é é doloroso. Quando você pode estar do outro lado, podendo fazer por quem também espera, é algo que palavras ditas são impossíveis de expressa o sentimento que flora na alma e pulsa junto ao coração.

O apoio incansável do MG Transplante, que os direcionou durante todo percurso. A enfermeira Evelyn, por dividir com elas a sua experiência e Administração que esteve todo momento junto. No caso da doação múltipla, o processo é mais complexo e com diversas fases. A primeira é diagnosticar o paciente em morte encefálica por algum acometimento que seja detectado por exame de imagem, comprovando a lesão cerebral. Em seguida, são feitos exames clínicos e por último, um exame que comprove a ausência de atividade cerebral. A Secretaria Saúde foi ágil de encaminhar os exames para Belo Horizonte e fazendo inclusive o transporte. Ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) que com muita gentileza emprestou o aparelho eletro e liberou o profissional para realizar o exame. Aos setores: farmácia, compras, recepção e faturamento pela agilidade nas demandas que surgiam. A equipe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), pelo seu cuidado impecável. A lavanderia por preparar todos os kit’s com muito carinho. A equipe do Centro Cirúrgico que mostrou a grandeza que é Hospital, abençoado pelo patrono São Francisco que deixou tudo impecável, que fez com que o procedimento fosse realizado sem nenhum estresse, porque tudo estava na perfeita ordem e as equipes médicas que vieram de Itajubá e Belo Horizonte encantadas.

A chefe da enfermagem do Hospital, Alessandra Pereira e a presidente da CIHDOTT Adriene Pires

“Viramos a página do livro de Ata da CIHDOTT, e nele podemos escrever: somos um hospital, onde realiza captação de múltiplos órgãos. Temos profissionais capacitados para realizar o procedimento. Muitas vidas foram modificadas neste dia. Hoje existe alguém em que o coração, bate em seu ritmo normal, duas pessoas que se livrou da hemodiálise, uma pessoa deixou ser condenado a morrer por cirrose hepática. A pessoas que vê a vida com mais cor”, ressalta a presidente Adriene Pires.

A psicóloga do Hospital Brunna Mendes de Oliveira é também integrante da Comissão e precisa estar muito engajada com a equipe e participando desde o início, quando o médico e profissional de enfermagem identifica o potencial doador. É neste momento que a equipe da CIHDOTT é acionada e Brunna inicia a sua atuação.

Ela revela que foi preciso estar bem preparada para falar com a família e estar com o protocolo de morte encefálica comprovado. Muitas  vezes as famílias ficam na dúvida, de dar o sim, com medo de entregar seu filho para a morte e dúvidas como será se ele não pode voltar a vida são frequentes de quem passa por isto. A morte encefálica é explicada pelo médico neurologista da equipe. Familiares ouvem que não há mais volta, que a partir da constatação da morte encefálica não há reversão e é preciso deixar claro isto à família para não haver dúvida daquela decisão da doação dos órgãos.

Outra revelação feita por Brunna é que geralmente a morte encefálica ocorre em pessoas mais jovens e muitas vezes a família se culpa alegando que talvez poderia ter feito algo para que esta história fosse diferente. “A gente mostra que não é culpa deles, que é um fato. Sem falar que a morte para nós seres humanos, já é muito difícil de ser aceita como algo natural que todos irão enfrentar, mas as pessoas não estão preparadas para lidar com a morte, ainda mais uma morte precoce”, disse. Neste caso específico, a psicóloga trabalhou bastante durante as visitas. A mãe do jovem contou sobre a vida e os sonhos e os planos que o filho tinha e foi interrompido.

Como vários exames são feitos fora, pelo MG Transplante e inclusive pela Funed há um tempo de espera. Brunna esclarece que independente do sim ou não da família à doação dos órgãos a demora é certa. A lei hoje permite que a partir da família dizer não à doação de órgãos, a unidade hospitalar pode desligar os aparelhos do paciente, mas na Santa Casa de Três Pontas, o protocolo não é este. Os aparelhos continuam ligados até que o organismo leve os órgãos a parar.

A responsável técnica da equipe de enfermagem do Hospital, Alessandra Coelho Pereira, lembra que a enfermagem é o carro chefe de um Hospital e na doação de órgãos não é diferente. É um trabalho de muita responsabilidade, que recebeu o aval e apoio da Administração da entidade para que o trabalho deste protocolo seja constante. Ela termina com palavras de gratidão. “À Santa Casa, aos lideres e liderados, e à enfermagem que faz jus e honra o juramento que fez de salvar vidas”, completa Alessandra Pereira.

O médico José Renato de Melo, coordenador das Organizações de Procura de Órgãos (OPO) (OPO) Sul, que é vinculado ao MG Transplante de Minas Gerais, enalteceu em um vídeo gravado a pedido da Equipe Positiva, o trabalho realizado pela equipe e a extrema solidariedade da família do doador. Ele justifica que o MG Transplante faz campanha continuadamente para que as pessoas em vida, expressem a seus familiares o desejo de ser doador.

A mensagem que todos os membros da Comissão Intra Hospitalar deixa no fim desta reportagem é que as pessoas possam estar abertas a dizer sim para a doação de órgãos, que salva vidas e com certeza devolva a qualidade de vida a muita gente.

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